Depois de um divórcio e de uma baixa médica prolongada, o rendimento familiar emagreceu. Em casa, um filho de 18 anos tem ainda uma vida por cumprir e os estudos por terminar. No banco, já têm sete créditos contraídos. E no dia-a-dia, sentem o desespero constante de não conseguirem pagar tudo: despesas de arrendamento, prestações de empréstimos, alimentação, estudos e outros serviços essenciais. Esta pode ser a história de uma família tipo da Guarda que – a braços com diversas dificuldades financeiras – procurou ajuda junto do Gabinete de Apoio ao Sobreendividado da DECO – Associação Portuguesa de Defesa do Consumidor.
É à delegação de Coimbra que estas histórias guardenses vão chegando. A jurista Marta Costa Almeida, que aconselha as famílias sobreendividadas na DECO, revelou a O INTERIOR que, apesar de existirem outras regiões com mais casos, o número de contactos estabelecidos por consumidores que residem na região da Guarda «sofreu um aumento» e, somando os pedidos de ajuda dos últimos tempos, conclui-se que há mais de uma dezena de famílias a pedir auxilio e aconselhamento junto da associação. O exemplo desta família da cidade mais alta espelha bem aquilo que acontece num caso em que as despesas se amontoam, os salários descem e as prestações dos empréstimos são implacáveis e, claro, não acabam. Com apenas dois elementos no agregado familiar e um rendimento mensal de 1.500 euros, esta família tem sete créditos que, somados, resultam no valor de 1.087 euros, também mensais. A este montante, acrescentam-se as despesas correntes obrigatórias à sua sobrevivência num mínimo de 770 euros por mês.
A matemática não é difícil de fazer e cedo se percebe que o ordenado não chega para tudo o que há para pagar, o que leva a que algumas das prestações dos créditos já estejam por liquidar há vários meses. A jurista explica que a DECO apenas acompanha os casos que – como este – resultam de «um sobreendividamento passivo», já que houve um «motivo fortuito» para as pessoas não conseguir cumprir com os contratos anteriormente estabelecidos. Ou seja, são situações em que o desemprego ou a doença alteraram a realidade financeira que as famílias viviam até ao momento.
Desemprego é causa mais frequente para sobreendividamento
Além de prestar esclarecimentos, a DECO trabalha, em conjunto com os sobreendividados, na gestão do seu orçamento, na elaboração de um plano de pagamento e ainda na renegociação dos encargos e créditos. A maioria das pessoas procura uma luz ao fundo do túnel, uma solução que lhes permita pagar a dívida aos credores. Pelo caminho, informam-se ainda sobre as condições dos contratos de que são titulares e sobre o que pode acontecer se não as cumprirem. Mas numa época em que o desemprego é uma realidade demasiado presente e a crise está longe de chegar ao fim, «há cada vez mais consumidores a quererem informações sobre o funcionamento do processo de insolvência», esclarece a jurista. À semelhança do que acontece noutras regiões do país, Marta Costa Almeida refere que, na Guarda, «a grande causa do sobreendividamento é igualmente o desemprego», uma situação que é demasiadas vezes agravada pelo constante recurso ao crédito. «Existe uma grande iliteracia financeira que contribui frequentemente para escolhas menos esclarecidas» e, além disso, «muito desse recurso à banca ocorre para pagamento das prestações de outros empréstimos», explica a responsável.
A este respeito, relembra que a maioria das famílias que contacta a DECO estão «multi-endividadas», já que têm pelo menos cinco créditos para pagar. Nestes casos, uma simples fatura de eletricidade pode tornar-se num problema maior. «A delegação de Coimbra tem verificado um aumento do número de consumidores que contactam a Associação com dificuldades no pagamento de serviços públicos essenciais como a eletricidade, porque recebem faturas referentes a acertos que não têm possibilidade de pagar», esclarece a jurista. Na região centro, a DECO registava, em 2008, 81 processos, enquanto este ano, por esta altura, já conta com 220.
Catarina Pinto