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As primeiras derrotas de Passos Coelho

Editorial

As expectativas sobre a nova governação são muitas, não tanto porque Passos Coelho tenha evidenciado qualidades extraordinárias ou porque tenha um programa entusiasmante (para além do comprometido com a troika, coisas como a privatização da Caixa ou o aumento das taxas moderadoras devem merecer grande preocupação), mas porque o país precisa urgentemente de mudanças e estratégias.

Quem ganha chega com a auréola dos vencedores e consegue, nos primeiros tempos, vencer todo o género de dificuldades. Não foi assim com Passos Coelho, que teve já as primeiras derrotas, para muitos sem relevância, mas que devemos registar:

1ª O convite a Fernando Nobre para cabeça-de-lista em Lisboa já tinha sofrido contestação, mas a insistência de o colocar à frente do parlamento redundou na primeira derrota do novo primeiro-ministro. O CDS sempre se opôs a essa opção e, sem rodeios, Paulo Portas deixou claro que sem o CDS o PSD dificilmente poderá aprovar o que quer que seja. Passos Coelho não vai ter oportunidade ou capacidade para voltar a tentar impor a sua decisão sem a permissão do presidente do CDS. Para Nobre, foi um dia penoso, por culpa própria, mas quem foi verdadeiramente derrotado foi Passos Coelho.

2ª O PSD queria a pasta da Economia… e ficou com ela. Mas é uma pasta sem meios. Grande parte dos fundos comunitários serão geridos pelo superministério da Agricultura, Ambiente e Administração do Território que foi entregue a Assunção Cristas. Ou seja, o PSD até ficou com as pastas mais importantes (salvo a de Portas), mas quem vai mandar nos investimentos vai ser a ministra do CDS.

3ª Falaram-se de muitos nomes de prestígio para integrar o Governo, de Fernando Nogueira a Marques Mendes, mas, ainda que os comentadores e politólogos nos digam que é integrado por personalidades de craveira intelectual e académica, fica a sensação de que é um Governo fraco. Mesmo que todos nos assegurem que Vítor Gaspar, originário de Manteigas, foi uma excelente escolha para resolver os problemas das Finanças… Vamos esperar.

4ª Apostar na juventude é sempre uma opção aplaudida. Mas um Governo muito jovem pode ter muita energia, mas dificilmente terá a qualidade, o talento, a inteligência emocional (tão necessária perante crises) e a destreza para fazer políticas para o país, para as pessoas, para enfrentar as dificuldades. O que precisamos não é de jovens ambiciosos, mas sim de políticos experientes, com ideias e capacidade de encontrar soluções.

5ª No discurso de tomada de posse do novo primeiro-ministro foi confirmado que os governos civis são para acabar, e já! Trata-se do cumprimento de uma velha promessa populista e alfacinha, sem qualquer resultado prático (e inconstitucional). A possibilidade de economizar 12 milhões de euros leva à extinção do único órgão de desconcentração político-administrativa que, de facto, pode não ter muita relevância administrativa mas que ainda permitia que as pessoas se identificassem com o respetivo distrito e tivessem um interlocutor e um representante do Estado por perto. Venceu a tese dos comentadores de Lisboa (que foi granjeando apoio por todo o lado) para quem há muito os governos civis deviam ter acabado – o único que não faz sentido é o de Lisboa, pois ali está sedeado o Governo que representa. Os promotores dessa tese, vencedora, são os mesmos que se opuseram à construção de autoestradas no interior (e que também já ganharam ao imporem portagens, mas não aceitam pagar as autoestradas à volta de Lisboa – da segunda circular ao IC19). E são os mesmos que defendem a redução de deputados (à custa do interior – esse vasto território que vai para além da linha Braga-Aveiro e Lisboa-Setúbal). E são os mesmos que gostariam que o Estado investisse menos em universidades ou politécnicos longe de Lisboa, ou teatros fora da capital, ou centros de saúde equipados longe da grande Lisboa… Se continuarmos a deixar acabar as instituições que ainda dão vida ao país mais depressa Portugal será só Lisboa.

6ª Não é uma derrota de Passos Coelho, mas acabará com ele: Ainda o governo não tinha tomado posse e já CGTP anunciava mobilizações… contra o governo. É só o princípio.

Luis Baptista-Martins

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