1. As recentes eleições presidenciais merecem uma atenta reflexão por várias razões. Em primeiro lugar, uma reflexão sobre os critérios de acesso à candidatura. Como se viu, a exigência de 7.500 assinaturas não pode ser critério para aceder a uma candidatura desta importância. Por maior respeito que me mereçam todos os candidatos, a verdade é que candidaturas houve que não reuniam as condições mínimas para uma função desta importância. Um dos candidatos, por exemplo, quase não saiu da sua terra, durante a campanha, certo de que os telejornais, por imperativo legal, lhe garantiriam projecção nacional. Outro não foi mais do que uma mera projecção das câmaras de televisão para consumo dos telejornais. Uma eleição destas – a fazer-se, nestes termos – deveria exigir um processo de filtragem no acesso à candidatura muito mais complexo.
2. Depois, o problema do discurso dos candidatos. Tendo o PR competências muito reduzidas (dissolver o Parlamento, vetar ou promulgar diplomas), quase todas elas de registo negativo, coloca-se o problema do discurso: que programa? A verdade é que o seu programa, no essencial, consiste em cumprir e fazer cumprir a constituição. Mas, assim sendo, o programa acaba por se reduzir à própria figura do candidato, essa sim importante para aquelas que são as verdadeiras funções do Presidente: interpretar a identidade nacional, promover o equilíbrio político-institucional, vigiar pelo cumprimento da constituição, garantir a livre dialéctica política democrática. Ou seja, a verdadeira função presidencial confunde-se com a própria figura do Presidente e não só enquanto órgão unipessoal que é. Mas, assim sendo, justificar-se-á uma eleição directa e por sufrágio universal? Eu creio que não.
3. Outra questão que resultou destas eleições foi a da representação política. Continuam os partidos a interpretar as expectativas políticas dos cidadãos ou representam estas eleições uma ruptura nesta lógica? Parece que sim, que estamos a viver uma ruptura, vistos os resultados, sobretudo à esquerda. O caso mais flagrante foi o de Manuel Alegre, que, em vez de somar, subtraiu – em apoios que numericamente correspondiam (tendo em conta as sondagens) a cerca de 40% do eleitorado, pelo menos. Mas não menos flagrante foi o caso de Fernando Nobre: como se explica que este candidato tenha obtido o dobro dos votos do candidato apoiado por uma organização como o PCP? E isto para não falar do candidato virtual Manuel Coelho, que consegue obter 4.5% dos votos expressos.
4. É claro que há em tudo isto uma variável que hoje é decisiva em política: a comunicação e os seus suportes. Acabou o tempo em que a política funcionava sobretudo a partir da sua componente orgânica. Como se viu nestas eleições, a dominante é a variável comunicacional. E os partidos têm de compreender isto. Ou seja, não poderão continuar a funcionar centrados nas suas estruturas orgânicas, alheados do que se passa cá fora. É por isso que se torna urgente introduzir primárias nas eleições internas dos grandes partidos para que estes possam incorporar e traduzir politicamente os reais movimentos políticos que estão a emergir.
5. São muitos os problemas com que se defronta a política, hoje. A começar pelos efeitos da globalização e pela crescente dependência dos Estados-Nação em relação aos fluxos globais, por exemplo, os fluxos financeiros. Por outro lado, parece que a política ainda não saiu do velho paradigma orgânico, convertendo-se apenas à lógica comunicacional na óptica da velha comunicação instrumental, da comunicação de massas. Não compreende, assim, que o novo paradigma já está em condições de gerar novos fenómenos políticos que são resistentes às velhas categorias. A recente campanha presidencial constituiu, neste sentido, um exemplo extremamente rico.
6. Não vivemos, portanto, deste ponto de vista, tempos gloriosos. Mas a verdade é que, para ter confiança no futuro, é necessário ler, com boas chaves descodificadoras e críticas, os tempos que vivemos, porque, de outro modo, nunca será possível sair das crescentes dificuldades que estão a surgir, mesmo nas democracias mais consolidadas.
Por: João de Almeida Santos