A decisão de se introduzir o pagamento de portagens nas duas auto-estradas que servem esta zona do interior do país originou múltiplas (algumas contraditórias…) reacções, com diferentes escalas ao nível dos decibéis… Este poderá aumentar após a reunião, agendada para a próxima semana, das comissões de utentes das SCUT.
É inquestionável o contributo dado pela A23 em termos de acessibilidade – rápida e mais segura – a outros eixos viários, e mormente à capital do país, esbatendo a distância e o tempo do percurso.
Aliás nem é preciso escudarmo-nos nas estatísticas para se anotar a progressiva utilização daquela auto-estrada e os novos fluxos originados em ambos os sentidos, com os inerentes reflexos.
Efectuar o confronto com a situação existente antes da abertura da A23 avivará a, má, memória e permite aquilatar as múltiplas vantagens que a mencionada auto-estrada veio trazer à nossa região.
Por outro lado, com a A25 fomentou-se a rapidez na circulação de pessoas e produtos, aproximou-se a região centro, a fronteira do litoral, flexibilizando a irradiação do tráfego automóvel para norte e sul.
A aplicação de portagens nestas duas rodovias será um retrocesso na evolução, necessária, desta faixa do interior do país, a qual tem dado mais do que recebido, ao longo dos tempos…
Poder-se-á argumentar com o princípio da universalidade/igualdade e do “utilizador-pagador” afirmando que haverá muitos portugueses a não usufruírem destas duas vias…mas quantos dos largos milhares de residentes – e contribuintes como os outros – no interior beneficiaram com a grande maioria dos investimentos (com recurso também ao dinheiro dos nossos impostos) ou construção de obras públicas nos grandes centros ou na faixa litoral?
Aqui no interior há vias que possam funcionar como alternativa segura, desviando o tráfego automóvel das localidades e garantindo permanente segurança aos peões ou à circulação local?
Com a cobrança de portagens facultar-se-á a deslocação, com maior frequência, de técnicos, investigadores, docentes, quadros especializados para colaborarem/trabalharem com as instituições do interior? E novos custos que vão ser imputados aos transportes de produtos e mercadorias de e para o interior do país?
Estas são apenas algumas simples questões suscitadas ao correr da pena…
O interior, a Guarda, precisa de caminhos para o desenvolvimento e não condicionalismos que, por mais argumentos económico-financeiros apresentados, se apresentem como injustamente onerosos e redutores da esperança num futuro melhor.
Há uns anos atrás foi anunciada a intenção, governamental, de criar na Guarda o Museu Nacional da Saúde. O Parque da Saúde, mais propriamente o degradado Pavilhão D. António de Lencastre, um dos históricos espaços de tratamento pertencentes ao Sanatório Sousa Martins, foi o local designado.
Claro está que se tratou de uma “boa intenção”, em vésperas de eleições legislativas. Mas outras boas intenções têm sido, após isso, manifestadas sem qualquer efeito prático.
Nesta coluna já aludimos, anteriormente, ao esquecimento (entenda-se ausência de uma intervenção de salvaguarda e não ao anúncio de projectos) que, até agora, tem sido votado o património construído da conhecida estância sanatorial, à margem das obras de ampliação em curso.
Novas construções não devem implicar o esquecimento ou a destruição de testemunhos de uma época e de um período em que a Guarda se afirmou – dentro e fora das fronteiras – como a cidade da Saúde.
A importância patrimonial dos edifícios do Sanatório Sousa Martins já, por diversas vezes aqui foi sublinhada, bem como a urgente necessidade de salvaguardar e conservar esta memória viva da Guarda. “As cidades são como os homens; têm ou não carácter – e a tê-lo importa preservá-lo”, como escreveu Eugénio de Andrade.
É fundamental que se acautele a memória de uma época marcante da história citadina, sustentáculo importante da alma da cidade. A salvaguarda deste património edificado – que se deve considerar um meio didáctico e pedagógico — permitirá, por outro lado, que se abram vias de estudo e planos sólidos para a implantação de um Museu (ainda que sem o perfil/designação referenciado na abertura destas notas)sob a temática da Tuberculose.
A Guarda recebeu, há anos atrás, a designação de “Cidade Bioclimática Ibérica”, atendendo à qualidade do seu ar. Foi mais um contributo para a sua imagem de terra da saúde, nascida na primeira década de novecentos, e que irradiou pelo país e estrangeiro, mercê das suas características climáticas e da unidade sanatorial aqui instalada, onde pontuaram clínicos ilustres. Tarda o aproveitamento desse reconhecimento…
Há, pois, toda a conveniência – e urgência – em implementar um consistente e estruturante processo de valorização do Parque da Saúde (em simultâneo com as obras em curso), onde sejam consubstanciados projectos idóneos articulados com a salvaguarda do património edificado (marca de uma época e de um lugar), sem empobrecer mais aquela área verde, pulmão vivo da cidade.
É, sem dúvida, um desafio importante, que implica uma convergência de vários esforços e investimentos, uma visão objectiva sobre o futuro a construir, um empenho verdadeiro em valorizar esta cidade, honrando a memória de um conjunto de personalidades perenemente ligadas à afirmação da Guarda como terra que ombreou, sobretudo ao nível do tratamento da tuberculose, com conhecidos centros estrangeiros.
Pode ser um pequeno contributo neste contexto geral mas é de louvar o empenho colocado na recuperação e consolidação do edifício que foi sede da Administração do Sanatório e onde, desde a década de cinquenta do passado século emite o Rádio Altitude, outro lídimo património regional.
Um bom exemplo da conciliação entre passado e presente, sempre com olhar no futuro. Esperemos que este exemplo irradie para os restantes edifícios da mesma época, onde possa surgir o desejado espaço museológico.
Ainda por perto, gostaríamos de deixar algumas anotações sobre a Prisão-Sanatório, outra inquestionável afirmação nacional de uma instituição citadina.
A escolha da Guarda para a localização desse estabelecimento prisional teve, por certo, em conta a existência do conceituado Sanatório Sousa Martins e do seu reputado corpo clínico, o qual assegurou o apoio médico e cirúrgico; estabelecido que foi um protocolo entre o Ministério da Justiça e a Direcção Geral de Assistência.
Na Guarda ocorreu, neste contexto, a primeira aplicação prática dessa cooperação; mais tarde, atitude similar foi seguida na Prisão-Hospital S. João de Deus, cuja construção terminou muito depois da inauguração do complexo prisional guardense.
A Prisão Sanatório – junto à Cadeia Comarcã, inaugurada na mesma altura, e já lá vai mais de meio século – foi edificada para receber os reclusos, de todo o país, portadores de doenças pulmonares.
Como noticiou a imprensa citadina, a Prisão-Sanatório era um “edifício magnífico, ocupando uma área de 1.100 metros quadrados. Nas suas enfermarias e nos quartos de isolamento, optimamente mobilados, podem albergar-se mais de cem reclusos”. O Ministro da Justiça, de então, expressou, na altura, o desejo de “que muitos saiam daqui mais sãos no corpo, sobretudo mais sãos na alma”.
No mapa nacional dos serviços prisionais, a mais alta cidade portuguesa ficava dotada, com uma estrutura ímpar, enquadrada na propalada “revolução no espírito e na orgânica”, fomentada e defendida pelos dirigentes políticos da época.
Por outro lado, ao serem viabilizadas novas instalações para a Cadeia Comarcã da Guarda libertou-se o centro da cidade do “espectáculo desagradável, numa expressão da imprensa local, decorrente da permanência e do contacto com os presos, e asseguraram-se – pelo menos era essa a intenção – novas condições para a desejada regeneração dos reclusos.
As duas prisões (e edifícios anexos para os guardas e serviços de apoio) representaram um investimento de cerca de 5000 contos, significativo nos tempos (igualmente difíceis no plano financeiro), que decorriam.
Como outros na cidade, os referidos edifícios não podem ser dissociados do estudo da evolução citadina na segunda metade do século passado; merecem um olhar atento sobre o papel que desempenharam durante muito tempo, sobretudo, a Prisão Sanatório pelo facto de ter sido, como atrás se disse, pioneira em Portugal.
Por: Hélder Sequeira