Ir ao cinema pode ser uma experiência stressante (ou será “istressantji”? – O ridículo acordo ortográfico não é, agora, para aqui chamado). Alguém tentar concentrar-se na película, quando, por todo o lado, está a decorrer uma sinfonia “odonto-pipoqueira” pode ser complicado. Uns com a boca aberta, outros com ela semicerrada e outros com ela fechada oferecem uma paleta sonora digna de um concerto alternativo. Outros instrumentos desta enervante orquestra são o “sorver coca-cola” e a “manipulação da pipoca no recipiente”, pontuados aqui e acolá com uns “toques de telemóvel”, umas “conversas em voz alta” ou mesmo com um “telefonema de um qualquer energúmeno”. Voltando à vaca fria. Mastigar pipoca é uma forma de arte, a arte de enervar até ao limite o mais puro cinéfilo. Mas por que maléficas e insondáveis razões alguém se lembrou de importar o estúpido estilo de vida americano? Esperem, acabei de me lembrar, “it´s all about money!” Não interessa que a maior parte do público se sinta prejudicado com o ruído de fundo ou que não se consiga concentrar convenientemente. Isso não interessa nada! O que interessa é criar dependência nas crianças, jovens e menos jovens e facturar extra, contribuindo, até no cinema, para um estilo de vida onde reinem os açúcares e as gorduras. Colas, pipocas e nachos (mais uma horrível e picante importação, desta vez, mexicana), são vendidos a preços que podem chegar a igualar ou mesmo superar o do próprio bilhete. Afinal é isso, é tudo uma questão de dinheiro, mas a que custo?
O problema é que eu tenho um problema, o de, quando esta orquestra maléfica atinge decibéis intoleráveis, me desligar do filme e passar a assistir, atónito e incrédulo, ao outro espectáculo que está a decorrer à frente, atrás e dos lados.
A falta de educação e de civismo está em todo o lado e isso reflecte-se também ali, no cinema, um local em que deveríamos estar absorvidos pelo que se passa lá bem à frente, na tela. Será para isso que se desligam as luzes…ou então é para tornar anónimos os tipos que atendem chamadas em pleno filme e aproveitam para falar da família ou dos resultados das análises ao colesterol, colesterol esse que estão a meter para o bucho no preciso momento em que falam e levam, mais uma vez, as mãos gordurosas ao pacote de nachos ou de pipocas. Perante este espectáculo dentro do espectáculo, assistimos como uns carneirinhos pois, poucos, são capazes de chamar a atenção do vizinho do lado para a estupidez que representa atender chamadas, conversar em voz alta em pleno filme e quejandos.
Recordo, a propósito, o que aconteceu há uns anos, noutro palco, no TMG, durante a actuação de Pedro Burmester. Numa das peças, numa altura em que até a respiração do pianista se ouvia, em que este quase acariciava as teclas, e tendo sido dada a ordem expressa no início do concerto (que nem deveria ser necessária) para que se desligassem todos os telemóveis, uma besta quadrada numa das filas da frente, prenhe de tédio porque a companheira o teria obrigado a acompanhá-la ao concerto, aproveitava para mexer no seu novo “gadget” e, sempre que fazia um “enter” ouvia-se um sonoro “blip”. Os olhares de soslaio começaram de imediato, mas como aí, o público é muito mais exigente, alguém ao lado do tipo, quase de imediato, lhe disse ao ouvido: “Não acha que já chega?!” E pronto, sossegou instantaneamente.
Ainda na semana passada tive que avisar uns adolescentes durante a exibição de “A origem” (no original “Inception”), um filme algo intrincado e que exigia alguma atenção para não se perder o fio à meada. Foram ver o Di Caprio, mas devem ter pensado que era mais um “Titanic”. Ficou claro pelos seus comentários em voz alta que se tinham afundado e que não estavam a perceber patavina. Então começaram a rir, a conversar e a mandar mensagens por telemóvel, num desassossego nunca visto. Como a irreverência é própria dos jovens não acataram os “chius!” que lhes vinham da escuridão e que deveriam indicar-lhes que teriam que mudar de comportamento. Como “quem está mal, que se mude”e quebrado o anonimato concedido pela penumbra, pelas luzes ao intervalo, desci para as filas mais à frente que estavam, felizmente, desocupadas, não sem antes lhes manifestar o meu desagrado, em voz alta. Parece que depois disso, terão sossegado.
Acabar com as “orquestras” que contaminam os nossos cinemas passa por cada um de nós, pela exigência do silêncio, pela chamada de atenção dos prevaricadores e, caso não resulte, pela intervenção do responsável de sala sobre estes, ou corremos o risco de uma ida ao cinema continuar a ser uma experiência mais enervante do que receber uma carta registada da DGCI, da GNR ou do Tribunal. E, por favor, mastiguem as pipocas com a boca fechada!
Por: José Carlos Lopes