«As sociedades são conduzidas por agitadores de sentimentos, não por agitadores de ideias. Nenhum filósofo fez caminho senão porque serviu, em todo ou em parte, uma religião, uma política ou outro qualquer modo social do sentimento. Se a obra de investigação, em material social é portanto socialmente inútil, salvo como arte e no que contiver de arte, mais vale empregar o que em nós haja de esforço em fazer arte, do que em fazer meia arte.», Fernando Pessoa, in “Notas Autobiográficas e de Autognose”.
O executivo camarário da Guarda «decidiu» vender, alienar a jóia mais importante de um património colectivo – o Hotel Turismo da Guarda.
«Nas décadas de 30 e 40 do século passado, a cidade era muito divulgada do ponto de vista turístico. Esta divulgação enquadrava-se na política organizada de promoção turística do Estado Novo e também da promoção da Cidade da Saúde. A beleza natural, o clima, a que se associava o fenómeno da neve, constituíam uma mais valia capaz de potenciar os recursos turísticos existentes, favorecendo a sua divulgação. É de realçar a localização da Guarda em termos viários interceptando a principal via estrutural do turismo internacional.» Borges, Dulce Helena Pires, “Guarda, Cidade Saúde, in A Guarda Formosa na Primeira metade do século XX, Guarda, 2004).
Que diferenças se encontram entre tudo quanto foi a justificação para a divulgação, promoção e projecção da cidade naquelas décadas e as que hoje se verificam?
A localização continua a mesma, com a agravante de hoje, independentemente, das hipotéticas portagens, serem ainda mais e melhores os eixos viários. Pena que os eixos ferroviários não terem acompanhado a aceleração dos viários, mesmo com altas velocidades, com ou sem mercadorias. A linha da Beira Baixa parada e, essa sim, em total abandono sem ligação eléctrica vivendo de memórias e quiçá de uma qualquer sucata nacional. A linha da Beira Alta a sofrer dos constrangimentos de uma via única sem progressão para a Europa.
Esqueceram-se que, a projecção não pode nem deve ficar nunca confinada a uns quantos folhetos, mal impressos, do SNI.
O fenómeno neve e as belezas naturais por cá continuam. Isto, apesar dos atentados ao património cultural, paisagístico e urbano terem alterado para pior as mais valias dos recursos.
Mas, se a projecção foi a que foi feita o poder da altura percebeu, sim porque ditadores eles eram, acéfalos é que não, que à Guarda fazia falta uma unidade hoteleira de qualidade.
«A Guarda não possuía nenhum equipamento hoteleiro de qualidade para receber os visitantes. A consciencialização das deficiências de alojamento que a cidade então apresentava levou a que os responsáveis autárquicos, através da Comissão de Iniciativa e Turismo, se empenhassem numa acção concertada com o Governo, no sentido de ser encontrada uma solução qualitativa para o problema. E, a solução apresentada foi a criação de um Hotel Turismo que iria fomentar o desenvolvimento da cidade, para construir a estrutura hoteleira de maior importância da cidade.» Borges, Dulce Helena Pires, “Guarda, Cidade Saúde, in A Guarda Formosa na Primeira metade do século XX, Guarda, 2004).
Discutível o fomento do desenvolvimento da cidade. O Hotel Turismo falhou nesse aspecto.
O Hotel Turismo não era, nem foi pensado para servir os guardenses.
Servia e serviu uma casta elitista que, nas décadas de fome e miséria eram os que usufruíam de meios financeiros para usar de uma unidade hoteleira daquela envergadura e conforto. A Guarda, quer directa quer indirectamente, naqueles tempos, pouco ou nada lucrou com o Hotel Turismo.
Recorde-se que o Hotel Turismo, que veio a servir a cidade em termos turísticos e, só em termos turísticos a partir de 1947, vai tornar-se num dos melhores e mais caros hotéis do género em Portugal.
Tudo dito.
Mas, o projecto pensado, na década de 30 e concluído 14 anos depois, rapidamente se mostrou insuficiente e desactualizado, vindo a ser ampliado em 1996 e 1971.
Se, naquelas décadas de 30 e 40 não havia unidades hoteleiras mais tarde, o Hotel Turismo viu nascer, como por artes mágicas, outras unidades. A concorrência exigia, de quem gere, estar atento. Só que não houve vontade nem intenção e, muito menos, inspiração.
Após várias concessões mal sucedidas o Hotel turismo chegou a um estado de degradação elevado.
Culpados?
Todos aqueles que com responsabilidades nada fizeram para que hoje o Hotel Turismo fosse uma unidade de valor patrimonial para o concelho e cidade.
Importava que os cidadãos do concelho manifestassem a sua opinião sobre tão valioso património.
Se nalgumas circunstâncias se evoca tanto as democracias mais avançadas, onde a figura do referendo é, neste, como noutros casos, um recurso frequente. Porque não ouvir a opinião dos guardenses?
Invocam-se os custos da realização de tal figura da democracia.
Bem mais caros são, seguramente, outros despesismos que envolvem representações e festins.
Dizem-nos que, no que respeita ao estilo arquitectónico o Hotel Turismo pertence ao dito estilo «português suave» uma vez que este estilo se define pela arquitectura dita modernista, numa síntese de compromisso, pouco lúcida e pouco interessante. No aspecto arquitectónico, sublinhe-se, porque no valor sentimental e cultural vale bem mais para os guardenses, seguramente.
Por: Jorge Noutel *
* deputado pelo Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal da Guarda