Há mais de 20 anos que Hortênsia Rente vende cerejas na EN102. «Fui a primeira cá da terra a vir vendê-las para a estrada», afiança a produtora, que desde então passa grande parte dos meses de Maio e Junho debaixo do guarda-sol à espera de clientela. Vende uns 2.000 quilos por ano.
Em Freches (Trancoso), são dezenas os produtores que, tal como Hortênsia Rente, escoam o seu produto nas bermas da estrada nacional. Agora que a concessão Douro Interior está em construção, surgem os receios: «Vai estragar o negócio a muita gente. O melhor era fazer-se uma cooperativa», sugere Hortênsia Rente. Aos 62 anos, a produtora confessa que só já pensa na reforma, mas garante que a construção da auto-estrada vai complicar a vida aos produtores de cereja: «É que passa aqui muita gente», constata. Hortênsia Rente refere que o negócio já teve melhores dias, mas que «ainda se vai vendendo», principalmente ao fim-de-semana e à sexta-feira, dia de feira em Trancoso. «Ninguém está contra a auto-estrada, mas tenho pena que o negócio acabe, até porque fui eu que comecei isto», afirma, lembrando os tempos em que vendeu as primeiras cerejas «por brincadeira». Tudo começou por acaso, quando foi ao seu terreno – junto à estrada, perto da sua banca – preparar umas caixas de cereja para levar para a feira. «Houve umas pessoas que pararam e compraram», recorda.
«Quando comecei havia pouca cereja e as pessoas de Freches até falaram mal de mim, a dizer que me portava mal na estrada, mas agora toda a gente quer vender e há muita», recorda. Os preços praticados na estrada vão variando entre os 2 e os 4 euros, dependendo da qualidade e tamanho. Hortênsia Rente vende no mesmo sítio desde que começou: a sua banca é a primeira que os automobilistas encontram no sentido Celorico-Trancoso, do lado direito. Na EN102, «ninguém rouba os lugares dos outros», assegura. Mais acima, do outro lado da estrada, está Emília Cruz, que vem «dia sim dia não» há quatro anos. O negócio vai «mais ou menos», adianta a vendedora, também ela preocupada com o IP2: «Vai-nos afectar porque o trânsito vai ser desviado. Não sabemos o que vamos fazer», diz Emília Cruz, que vive da agricultura. «Há tanta gente que plantou árvores novas e depois vai ser um problema, pois não sabemos onde meter a fruta», antevê, concordando que a criação de uma cooperativa será a melhor solução.
Ali perto está Agostinho Santos, que trabalha na construção civil e só vem às sextas, sábados e domingos: «São os dias melhores. Durante a semana o negócio é fraco», refere. Consegue vender uns mil quilos por ano, afiança. Mas é outro dos produtores de Freches que está apreensivo com o futuro: «Preocupa-me bastante a auto-estrada, uma vez que o negócio da cereja vai acabar. Se se vender, será muito pouco», prevê. Já Vítor Silva sabe bem como a construção de novas vias afecta o negócio. É da Faia (Guarda) e antes vendia na Nacional16, a estrada que desce em direcção ao Vale do Mondego: «Com o IP 5, deixaram de passar carros e então venho para aqui, onde circulam mais», explica. «No Mondego não há quem as compre», lamenta-se. Diz que vem «de vez em quando» para Freches, principalmente ao fim-de-semana, quando vende «um bocadinho melhor». Para já, prefere não pensar muito no futuro: «Olhe, vamos vendendo enquanto pudermos e depois logo se vê».
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