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A luz intermitente

Bilhete Postal

A luz do carro apaga-se no farolim esquerdo, logo depois em casa funde-se a da cozinha e, num processo arquitectado ou conspirado, logo vai o fogão e depois o micro-ondas. A luz do telemóvel pisca a sinalizar o fim da bateria. Estou exausto e irritado com toda esta correria de infelicidades e zango-me com a empregada, que se despede. Logo hoje, quando amanhã tenho um jantarão lá em casa. A vida corre mal nesta manhã em que não devia ter saído de casa. Assim não atendo o telefone da Alice, que, zangada, insiste umas dez vezes e aparece de mãos na cinta à porta:

– Não me ligas nenhuma, és um parvo!

Deve ter esgotado a paciência de outras coisas que lhe terei desagradado e não sabia. Vomita impropérios e sai batendo com o elevador.

Ocorre-me esta verdade universal que é a da rotatividade. Hoje foi a mim, amanhã falhará a luz aos que não gosto. Isto recorda-me o poder que se processa de modo contínuo e dinâmico. Eles vão e vêem e nós lá permanecemos com as consultas e os trabalhos de rotina. A realidade é esta coisa pragmática que tem falhas e ajustes. A realidade é a rotina com as luzes que se fundem e assim é a saúde também.

Por: Diogo Cabrita

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