O cauteleiro, indignado, interpelava-me: “acha bem, homens a casar com homens?” Confesso que não tinha pensado no assunto posta a questão nesses termos. Os do cauteleiro. E imaginei a cerimónia como ele a estava de certeza a pensar: um sólido e honrado lavrador beirão, de barba rija e grisalha, a enfiar uma aliança no dedo de um igualmente sólido e honrado operário metalúrgico.
Dias depois, o Bispo da Guarda declarou que com o casamento homossexual o governo está a tapar o sol com a peneira e a desviar as atenções dos verdadeiros problemas do país. A opinião publicada caiu-lhe em cima e os jornais assinalaram o seu soundbite com bolas pretas e setas para baixo.
Veio de seguida o meu amigo Carlos Peixoto, na qualidade de deputado eleito pelo PSD no círculo da Guarda a alertar para as perigosas portas que o casamento homossexual iria abrir: hoje isto, amanhã o casamento de primos, quiçá de pais com filhas e de irmãs com irmãos. Os blogues não gostaram e Carlos Peixoto apanhou pela medida grande – até o Bispo da Guarda, o mesmo do parágrafo anterior, achou que o deputado tinha ido longe demais. Estivessem os jornais de referência atentos e teríamos mais uma chuva de bolas pretas.
Não sei se o Presidente da República estava atento às opiniões das nossas autoridades civis e religiosas, e deixemos por agora o cauteleiro em paz, mas resolveu tomar partido no assunto colocando-se ao lado do Bispo da Guarda. Cavaco declara que mais importante do que o casamento entre homens (ou entre mulheres), está preocupado com a dívida externa (o Bispo da Guarda já tinha avisado que nem que estivéssemos todos um ano sem comer a poderíamos pagar), com o desemprego e com o défice.
Parecem todos muito razoáveis, mas não concordo com nenhum. Antes de mais, como advogado só posso aplaudir a ideia. Se se casam, terão de se divorciar também! A vida não anda tão boa que se possa desprezar toda uma nova linha de negócios. Do cauteleiro retenho e respeito a sua estupefacção, que também a mim me vai custar imaginar algumas bodas, mas desde o início dos tempos que houve casamentos estranhos e daí não veio mal de maior ao mundo ou inconveniente que não pudesse ser resolvido por um bom advogado (e lá estou eu outra vez a dar-lhe). As objecções do Carlos Peixoto valem o que valem mas não devem impressionar-nos muito: a admissão do casamento homossexual não abre outras portas se não essa mesma. Não há uma qualquer espiral de aberrações à espreita de vez. Não é a partir de aqui que vão começar a reclamar as uniões entre espécies diferentes ou se vai desencadear a grande farra universal.
As prioridades? Claro que há prioridades, assim como é evidente que por haver prioridades não deixa de haver as necessidades mais comezinhas, não desaparecem os problemas menos importantes, não prescindimos dos nossos hábitos. Ou vamos deixar de celebrar a consoada até estar resolvido o problema do défice?
É por isso que, mesmo achando que não é um problema tão grave nem tão urgente como isso, acho que é de resolver de uma vez, admitindo o casamento entre homossexuais (eles lá sabem da sua vida) – até para nos concentrarmos melhor no que realmente importa.
Por: António Ferreira
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