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O Dia Seguinte

O PSD, com um resultado que lhe asseguraria apenas uma maioria relativa, e das mais precárias, é o grande vencedor das últimas eleições. Verdade? Talvez, se colocarmos umas aspas em “grande”. Certo, certo, é que todos ganharam à excepção do PS, ou ao menos atingiram, e ultrapassaram mesmo, os seus objectivos

É verdade que estava “apenas” em causa o parlamento europeu e que os temas “europeus” foram focados apenas ao de leve, quando o foram de todo, e quase sempre de um ponto de vista insuportavelmente provinciano e sectário: “Combater a crise com os fundos europeus”, sugeria para nosso embaraço Rangel, numa ressuscitação para efeitos externos do tema do queijo Limiano. O resto da campanha limitou-se a penosos momentos de pugilato verbal, a um deserto de ideias, à constatação de que “assim, com esta gente, não vamos lá”.

Entretanto, O Expresso tinha-se encarregado de desfazer a inocência de Cavaco Silva, com a ajuda do próprio. Afinal, tinha investido as suas poupanças e ganho grossas mais-valias, de forma certamente legítima, numa subsidiária do BPN, o banco onde pontificava o seu amigo, e Conselheiro de Estado Dias Loureiro. Só que Cavaco não confirmava nem o investimento, nem as mais valias (poderia também revelar o processo cognitivo que o ajudou a duplicar o investimento inicial no momento exacto, mas isso seria já pedir de mais), revelando antes que está a “perder muito dinheiro”. Não estamos todos, mesmo sem investir no BPN?

Temos assim que passámos a olhar Cavaco Silva de outra maneira, e já não como se fosse uma espécie de reserva moral da nação. Mantivemos nos seus nichos de mercado o PP e o PCP. Que fizemos então de extraordinário? Simples, mas inquietante: duplicámos os votos brancos e nulos, consolidámos a abstenção e sagrámos o Bloco de Esquerda como terceira força política. Perguntarão o que tem isso de extraordinário e eu respondo. O Bloco é extrema-esquerda. Odeia os “revisionistas” do PC e continua a achar que a solução para os problemas da Humanidade passa pelo sucesso da Grande Revolução Democrática e Socialista. De preferência armada – que o objectivo continua a ser a tomada do poder pela força. Dirão que isto é folclore ultrapassado pela realidade do presente, mas vejam nas entrelinhas do que propõem se não está lá, latente, esse objectivo final. Entretanto, tem para apresentar uma campanha eleitoral inteligente e eficaz, um discurso moderno, um cabeça de lista civilizado e culto. Outra coisa: apenas 60 por cento dos votos expressos, dos 35 por cento dos eleitores que foram às urnas, o são em partidos com reais possibilidades de governar, e isto significa tão só que há pouco mais de dois milhões de portugueses que se preocupam em escolher entre PS e PSD.

E na Guarda, que temos de novo? Para já, o mesmo que em toda a parte: o PS deixou de ser credível, o PSD ainda mal passa de um mal menor, o PC e o PP resistem e, à falta de outros excessos e outras referências, temos uma crescente preferência, aqui para quase o triplo, pelos radicais do Bloco. Isto significa, por enquanto, que o PS da Guarda alienou boa parte do seu eleitorado de esquerda, talvez para sempre. Houve muitos que foram ao longo dos anos votando por inércia no PS mas que acabaram por se cansar, que trinta anos, mesmo que tivessem sido bons – e não foram – é tempo demais, e fugiram para o Bloco de Esquerda, ou para a indiferença. Haverá tempo para recuperar, agora que aí vêm o Verão e o agravar da crise?

Por: António Ferreira

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