Em período de eleições europeias, quem quiser votar bem deve olhar com seriedade para o processo de construção da União Europeia. O que nem sequer é muito difícil, visto que o «site» da União tem lá tudo, do mais simples ao mais complexo. E, se olhar com olhos de ver, constata logo que este processo está marcado na sua génese pelo drama das duas guerras mundiais. Ou seja, o processo de união ou de federação de povos (e menos de Estados) surgiu como meio de resolver a gravíssima conflitualidade intra-europeia que já provocara, em trinta anos, duas destruições da Europa. Um dado que vale por todos: entre 1939 e 1945 morreram cerca de 36 milhões de europeus. Este dado deveria ser suficiente para nos manter de olhos bem abertos, sobretudo em períodos de grave crise, como o que estamos a viver. Claro, o processo evoluiu com insuficiências, mas a caminhada produziu resultados que aproximam a União cada vez mais de uma democracia supranacional.
Que a razão de fundo do processo europeu radica na exigência de uma paz duradoura não suscita qualquer dúvida, sobretudo se formos ver as razões daqueles que desde muito cedo lutaram por uma união ou uma federação europeia: o Conde Coudenhove-Kalergi, com o seu “Movimento paneuropeu”, Aristide Briand, ex-primeiro-ministro francês, Churchil, Monnet, Spinelli, Schuman, os movimentos da resistência europeia, o movimento federalista europeu e tantos outros, onde a ideia de paz era o grande valor que polarizava as vontades. E a verdade é que se o impulso tinha na origem uma lógica de tipo negativo – todos contra a guerra – ele cedo viria a ganhar uma dimensão prospectiva, já bem patente, por exemplo, nas ideias dos federalistas italianos de Spinelli e Rossi. Em boa verdade, os próprios Monnet e Schuman, para não referir o magnífico Churchill, aspiravam a superar politicamente o pacto inicial, que era sobretudo de ordem económica, e, no caso da CECA, de uma economia ligada à guerra, a do carvão e do aço. Ou não teria sido possível concluir, em tão pouco tempo, um Tratado de Roma (1957) com todas aquelas virtualidades institucionais.
Aos que falam de ilusão democrática do Parlamento Europeu lembro que a conquista do actual estatuto de legislador levou muito tempo a conseguir e exigiu muita luta, já que passou de órgão “consultivo”, que era na CECA e no Tratado de Roma, a órgão “cooperante”, no Acto Único, a participante na “codecisão”, no Tratado de Maastricht, e, finalmente, a exercer funções legislativas e funções orçamentais, no Tratado de Lisboa. Além de eleger o Presidente da Comissão e de decidir, cada vez mais, sobre mais matérias. E de ter vindo a assumir uma progressiva capacidade política que o levou tantas vezes a inverter decisões políticas de grande impacto dos órgãos executivos da União ou mesmo a rejeitar figuras de primeiro plano em altos cargos políticos da União. A verdade é que o Parlamento Europeu que resulta do Tratado de Lisboa já não exprime aquele «défice democrático» que, em 1984, a própria comunidade reconhecia existir no processo de transferência de competências entre Parlamentos nacionais, Conselho e Parlamento Europeu. É claro que o caminho para uma democracia europeia ainda é muito longo e difícil, até porque a União não pode importar os graves problemas que as próprias democracias representativas hoje estão a viver. Um caminho longo que haverá de ver, um dia, o verdadeiro Executivo sair automaticamente da maioria do PE, os partidos concorrentes serem os partidos europeus, e não os nacionais, e o Presidente da União resultar de um Parlamento alargado ou do sufrágio universal europeu (veja-se, sobre o assunto, o excelente artigo de Vidal-Folch em “El País”, 22.05.09, p.31). E uma arquitectura regional complexa e em filigrana.
De qualquer modo, é fácil, demasiado fácil, dizer que a União está afastada dos cidadãos europeus. Mas assim será enquanto os partidos a continuarem a ver numa óptica instrumental e residual ao serviço da conquista do poder nacional.
Por: João de Almeida Santos