Arquivo

«Um professor de literatura que escreva pode tornar-se um professor ao quadrado»

Cara a Cara – Entrevista – Gabriel Magalhães

P – Qual o significado para si da atribuição do Prémio de Revelação por parte da Associação Portuguesa de Escritores?

R – Enquanto escreve, um romancista é um navegador solitário perdido no oceano da sua escrita. No momento em que recebe um prémio ou publica um romance, as coisas mudam: é como se o barco tão sozinho do seu escrever ficasse rodeado de gaivotas. E eis que, publicada a obra, o nosso livro se torna propriedade privada de toda a gente. O prémio da Associação Portuguesa de Escritores significou para mim um reconhecimento, que muito agradeço, mas sobretudo a surpresa de uma companhia.

P – Esta é a sua obra de estreia como romancista. Estava à espera desta distinção?

R – Não. Os prémios não são “esperáveis”. Acabam por se tornar sempre imprevisíveis. E só sabem bem assim, recheados do creme de nos surpreenderem. A melhor forma de ganhar um prémio é esquecermo-nos de que a ele concorremos. Depois, se o êxito acontece, é mais saboroso.

P – O que retrata “Não Tenhas Medo do Escuro”?

R – Neste livro, tentei romancear a poesia. Procurei dar vida à morte. No fundo, é um livro de mistérios e ao mesmo tempo uma narrativa cheia de uma claridade transparente. Trata-se da história de uma professora que tem um cancro, ainda muito nova, e que procura, nos seus últimos tempos, um sentido para a sua vida. Não consigo resumir este trabalho: cruzam-se nele as perguntas de um policial com as respostas de um texto místico. “Não Tenhas Medo do Escuro” é como um mapa do tesouro, sendo o baú cheio de dobrões que se procura algo espiritual – e as pistas para lá chegar grandes poemas da nossa literatura. O mundo de hoje rouba-nos a alma. Este livro tenta ensinar um modo de a reavermos.

P – Já tem outros projectos literários em curso?

R – Está quase pronto um novo romance. Também tenho muito avançado um livro de contos e vários volumes de reflexões. Quando nos atrevemos a fazer algo de que gostamos, ou para que nos sentimos chamados, a nossa vida enche-se de paisagens.

P – Quando pensa lançar outro livro?

R – Não sei. Terei de conversar com o editor sobre isso. No mundo das editoras, tudo acontece por vezes muito depressa, mas as coisas podem também andar muito devagar.

P – O lançamento da obra numa loja como a FNAC cria-lhe expectativas de que terá boa receptividade junto do público?

R – É importante recordar que, antes de ser lançado na FNAC do NorteShopping, o livro foi apresentado na UBI pela Rita Taborda Duarte. Teve um lançamento “interior” e outro “litoral”. E deve dizer-se que a sessão da Covilhã não ficou atrás da que teve lugar no Porto. Estou muito agradecido aos apresentadores do livro, os escritores Mário Cláudio e Rita Taborda Duarte, mas também a todas as pessoas que estiveram presentes em ambas as sessões. Para mim, o primeiro êxito deste romance foi a ternura com que foi acolhido por quem me conhece. Gostava que fosse um livro útil: a imaginação pode ser muito útil – e a beleza. Uma vida material e concreta, sem sonho, é algo tão estranho como uma casa sem janelas.

P – Gostava de poder viver em exclusividade da escrita?

R – Cada vez sinto mais que existe uma comunicação natural entre o meu trabalho de professor de literatura e o que vou fazendo como escritor. As duas coisas estão relacionadas: ambas se articulam numa mesma missão de transmitir a beleza possível das palavras – que nos conduz à beleza última da vida, que é Deus. Porque tenho a prática de escrever, consigo ensinar melhor certas coisas aos meus alunos. Por outro lado, muitas vezes acontece que, enquanto dou aulas, me surgem intuições para trabalhos literários futuros. Um professor de literatura que escreva pode tornar-se um professor ao quadrado. Para mim, as aulas que dou não são uma “punição”: pelo contrário, representam uma oportunidade de descobrir novos mundos com os meus alunos.

Gabriel Magalhães

«Um professor de literatura que escreva pode
        tornar-se um professor ao quadrado»

Sobre o autor

Leave a Reply