O Museu da Guarda recebeu, no domingo, um altar votivo oriundo do sítio dos Castelos Velhos, na cidade, que estava há 10 anos na posse do historiador e arqueólogo Adriano Vasco Rodrigues para estudo. Doada por Álvaro e Paulo Eugénio Estêvão, que a encontraram no decorrer de obras, a peça, datada do século I d.C., era dedicada ao deus Banda Brialeacus, do qual só se tinham até hoje encontrado registos a nível nacional e até internacional em Orjais, próximo da Covilhã.
Trata-se de um testemunho da importância histórica daquele sítio, considerou o especialista, que deixou «um profundo lamento» pelo facto de se ter construído a urbanização sem que se tenham realizado escavações arqueológicas. O monumento epigráfico, que demorou os 10 anos a ser decifrado, vem desvendar um pouco da história da cidade, acrescentou durante a cerimónia de entrega. Além de alargar a distribuição da área de culto àquele deus – que se pensa ter estado ligado a um agrupamento militar, à educação guerreira dos lusitanos –, mostra ainda que nas origens da Guarda esteve uma população não só indígena, como também romanizada. «Se ela não conhecesse a alfabetização, nunca tinha utilizado as letras romanas para transcrever a língua nativa», explicou Adriano Vasco Rodrigues. Encontrado em 1999 por dois irmãos que construíam casa na urbanização dos Castelos Velhos, o altar, que está fragmentado por ter sido atingido por uma máquina durante a movimentação de terras, foi entregue ao arqueólogo para estudo.
Vários académicos debruçaram-se sobre a peça ao longo dos anos, sem que a tivessem conseguido decifrar, revelou Adriano Vasco Rodrigues. O facto de ter sido atingida por uma máquina complicou a tarefa. Além disso, a epigrafia «exigia alguém altamente qualificado» na área, pelo que recorreu ao especialista José d’ Encarnação. Para o historiador, «muito se perdeu» com a opção de não avançar com escavações arqueológicas nos Castelos Velhos. «Os responsáveis pelo destino da Guarda deixaram perder oportunidades de salvarem testemunhos preciosos que davam identidade à nossa cidade» disse, aludindo ao ex-autarca Abílio Curto. Os sucessivos executivos municipais preferiram «construir barracões», afirmou mesmo, salientando que «se destruíram várias peças» em locais diferentes da cidade e inclusive antes do 25 de Abril. Já a directora do Museu da Guarda falou numa «política que não foi a mais correcta» no caso dos Castelos Velhos.
Dulce Helena Borges congratulou-se com a doação, que considerou «um gesto bonito e importante» por parte dos irmãos Álvaro e Paulo Eugénio Estêvão. Isto porque, segundo referiu, são poucos aqueles que encontram peças e as doam ao museu, preferindo ficar com elas. No caso das escavações arqueológicas, sustentou ser «inadmissível» que haja achados destes trabalhos que não dêem entrada na instituição que dirige. «Sabemos que há muitas peças nessas condições», admitiu, apelando à sua entrega para que o museu cumpra «a sua função».
Núcleo dedicado ao Cabeço das Fráguas em 2010
O Museu da Guarda vai criar no início do próximo ano um núcleo museológico inteiramente dedicado ao Cabeço das Fráguas, com peças que têm vindo a ser descobertas no local por uma equipa liderada por um arqueólogo alemão, anunciou Dulce Helena Borges. São peças em bronze e ferro e ainda objectos em cerâmica, que estão neste momento a ser trabalhados pelo Museu D. Diogo de Sousa, em Braga, com vista à sua musealização. As escavações decorrem há três anos com o objectivo de compreender o nível de ocupação do antigo santuário. A directora do museu revelou ainda que vai ser realizado um molde em silicone da mítica inscrição romana que existe no local, estando actualmente a estudar-se a melhor dimensão.