“Quadrar a Roda”
Concepção, encenação e interpretação: Jens Altheimer (http://leocartouche.com)
Pequeno Auditório do TMG, 17 de Outubro de 2008, 21h30
O espectáculo veio encerrar a edição deste ano do Festival de Teatro Acto Seguinte, que decorreu no TMG. O seu criador, Jens Altheimer, aliás, Leo Cartouche, começou a sua carreira artística como malabarista, no início dos anos 80. Altura em que também se iniciou no teatro de rua. E não foi impunemente. Mais tarde haveria de reunir estas duas formas de expressão artística num único conceito de espectáculo. Em 1987, fixa-se em Portugal, onde é professor no Chapitô e pioneiro do Novo Circo, de que a criação da “Sem Rede – Rede Nacional de Programação de Novo Circo” é um exemplo. O denominador comum das suas propostas é, como se disse, a busca de uma linguagem onde as técnicas do circo e do teatro se fundam, dando origem a espectáculos estimulantes. Na sua última produção, “Survivor”, fixou-se num único tema: um concurso televisivo. Nesse trabalho carregado de humor negro e irreverente, ao mesmo tempo trágico e cómico, consegue criar uma sátira às relações sociais baseadas nos níveis de rendimento dos indivíduos. Que, por sua vez, encaram os programas televisivos como o que é recriado na peça como referências supremas, relativamente à sua vida quotidiana. Pois bem, em “Quadrar a Roda” o autor reincide no objecto narrativo. Pretende igualmente promover uma crítica bem-humorada à arbitrariedade e ao absurdo, num universo onde as relações humanas estão cada vez mais mediatizadas por máquinas e sistemas telemáticos. Aqui, depois de várias peripécias, o protagonista entra numa área de acesso reservado, mas que também poderia ser a sua casa. E é imediatamente compelido a participar num jogo/concurso com várias fases e onde o grau de dificuldade vai aumentando progressivamente. Todavia, o herói consegue desenvencilhar-se sempre das dificuldades. Recorrendo, inevitavelmente, a uma habilidades operadas com maquinismos singulares, surpreendentes. Construídos a partir de vários materiais reciclados para a sua nova função. E onde o herói nunca deixa de ser uma espécie de Mac Gyver clownesco. Com uma solução pronta e engenhosa para cada novo desafio. Talvez o autor tenha querido ridicularizar o espectáculo na sua dimensão política. Os sinais estavam lá. Mas seria preciso mais. Porém, conseguiu atingir um objectivo artístico: Colocar em evidência a forma como a máquina atirou os indivíduos para fora do espaço natural onde constroem a sua humanidade. Como se deixassem de ser actores do seu próprio destino e de poder ler os objectos e maquinismos à sua volta, dos quais dependem. E assim ficassem diminuídos, padecendo de uma espécie de iliteracia técnica. Mas o autor mostrar que esse processo pode ser reversível. Graças ao seu engenho reciclador, a uma capacidade de improvisação que tem tanto de teatral como os artifícios expressivos têm de circense, Altheimer conseguiu repor o homem no centro. Afim de poder dominar os instrumentos de que se serve para viver. E para se divertir. Até porque tudo o que constitui o espaço cénico, maquinismos fixos e móveis, está lá literalmente para que ele se sirva deles. Num processo de reconstrução mútua. Noutro plano, já mais no que diz respeito à interpretação, pareceu-me que, por vezes, o autor abusou do circo e esqueceu-se do teatro. Nomeadamente, no prolongamento excessivo do malabarismo com as bolas. O que retirou algum ritmo ao espectáculo, mesmo que os danos fossem mínimos. Juntando malabarismo e manipulação de objectos ao movimento e interacção com o público, Altheimer abre a porta a um universo estranho e bizarro, e também muito pessoal, onde reinam o perigo, amor, ambição e riso, grandes falhas e pequenos triunfos. Sobre este trabalho, poderia concluir desta forma: Vamos ao circo? Claro! Vamos ao teatro? Também. E ninguém se enganaria.
“A 23”, Outubro de 2008
Revista trimestral
Director: Ricardo Paulouro
Edição: Associação Cultural A.23, Fundão (www.contiudo.com)
Desde o primeiro número que esta publicação me chamou a atenção. Por várias razões, como é costume dizer-se: o excelente grafismo, a variedade dos temas abordados, uma notável coerência editorial, o enfoque nos temas regionais e nas personalidades oriundas da área, mas sem impedir que o grosso da atenção vá para temas culturais nacionais e internacionais, fotojornalismo e reportagem/ensaio. A escolha sempre foi ampla, como se adivinha. Neste número, vários pontos altos poderei realçar. Começo pela notável série de fotografias de Paulo Nunes dos Santos recolhidas na Geórgia durante o recente conflito militar ocorrido naquele país. Imagens pungentes, onde o autor revela uma apreciável maturidade. Em seguida, chamo a atenção para a crónica de Rita Barata Silvério, autora e blogger, cujos textos já tinha seguido com atenção na saudosa revista “Atlântico”. Este chama-se “Spain is different” e fala-nos da forma como sanitário deveríamos recolher ensinamentos da forma como os espanhóis defendem e promovem os seus produtos autóctones diante de Bruxelas. Assinalo também uma interessante reportagem/ensaio intitulada “O país sanitário visto do balcão da taberna”. Um exemplo das potencialidades do chamado jornalismo literário. Trata-se de uma incursão do autor por tabernas e similares do Fundão e arredores, com uma divertida arremetida por Ciudad Rodrigo. Na secção entrevista, aparece-nos Jorge Palma no seu esplendor. Uma peça onde o músico fala de si, sem rodeios, num plano temporal alargado. E onde tomei conhecimento de que, no seu último álbum, incluiu um tema, “A Velhice”, criado para uma sublime peça teatral a que pudemos assistir recentemente do TMG: “Começar e Acabar”, de João Lagarto, a partir de textos de Beckett. Uma nota final para uma reportagem de fundo sobre a história atribulada do Grémio Lisbonense (Jangada de pedra no naufrágio da baixa”) e, já agora, de uma receita de Bacalhau com Broa. A qual já está, nesta hora, devidamente arquivada…