Toda e qualquer construção está interdita em mais de 24 por cento da área do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE). Tudo por causa dos recursos biológicos e geológicos únicos no mundo referenciados nas duas áreas de protecção especial definidas na proposta de Plano de Ordenamento (PO).
O documento, em discussão pública até 3 de Outubro, estabelece quatro zonas de protecção, sendo que nenhuma delas é de «restrição absolutíssima», esclarece Armando Carvalho, director das áreas protegidas do Centro e Alto Alentejo, que apresentou o plano aos jornalistas na passada sexta-feira em Manteigas. Contudo, está vedado o aumento das áreas urbanizáveis ou a urbanizar no planalto superior da Serra da Estrela. Isso só será possível abaixo dos 1.800 metros de altitude, mas nos núcleos urbanos já existentes ou na sua periferia, situados maioritariamente nas outras duas áreas de protecção (especial de tipo 3 e complementar), onde já reside a grande maioria da população serrana. O objectivo é reduzir ao mínimo possível a permanência humana em zonas de reserva biogenética e classificadas como Rede Natura para «não comprometer a qualidade ambiental deste território», justificou, por sua vez, o presidente da comissão técnica do PO.
Para Eduardo Osório, ex-director do PNSE, esses são sítios «para serem visitados e não para as pessoas ficarem, até porque ali não há tradição de habitação, nem sequer temporária, devido a condições orográficas e atmosféricas mais adversas». Entende-se, por isso, que o alojamento turístico [o tipo de projecto mais apresentado] deve ser «periférico» ao maciço central. Já a problemática questão do eventual alargamento dos perímetros urbanos das 79 freguesias incluídas no parque natural ficou resolvida a favor dos autarcas. É que a proposta do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) remete a sua alteração para o âmbito da revisão dos respectivos Planos Directores Municipais (PDM), uma vez que o Plano de Ordenamento «não é de natureza urbanística». Mesmo assim, o documento não é consensual entre os autarcas dos seis municípios que integram um dos parques naturais mais antigos do país.
170 barracas para demolir nas Penhas da Saúde
Eduardo Osório adianta haver divergências com as Câmaras da Covilhã, Gouveia e Seia relacionadas com a interdição de parques eólicos nas áreas de protecção especial 1 e 2 (as mais altas e de maior valor ambiental), a proibição de reconversão de casas de habitação para turismo de Natureza e a recusa em autorizar o alargamento dos perímetros urbanos das Penhas da Saúde (Covilhã) e da Senhora do Espinheiro (Seia). O PO defende ainda a demolição do edifício do teleférico, nos Piornos, e de 170 casas ilegais nas Penhas da Saúde. Neste caso, o ICNB não abdica desta medida para aprovar o plano de urbanização proposto pela autarquia da Covilhã. «A ideia é solidificar o património existente e criar uma nova zona de expansão atrás do Hotel Serra da Estrela. Mas nada feito se as barracas não desaparecerem daquela paisagem», avisou Eduardo Osório.
O arquitecto considera esta proposta de PO «um bom plano, cujos indicadores podem perfeitamente ser assumidos pelas autarquias nos seus PDM», acrescentando que os seis municípios em causa (Celorico da Beira, Covilhã, Gouveia, Guarda, Manteigas e Seia) «só terão a ganhar» se o fizerem. Já Maria da Paz, directora-adjunta das áreas protegidas do Centro e Alto Alentejo, afirmou que o documento é «facilitador e mais operacional que o anterior, pois houve o cuidado de não zonar em excesso à área do PNSE». Por sua vez, Armando Carvalho disse tratar-se de «um instrumento base para nos entendermos em torno da conservação de eco-sistemas que não existem em mais lado nenhum. Mas não estamos aqui numa lógica dos bichinhos, das plantinhas e das pedrinhas».
Tutela quer publicar Plano até ao final do ano
A proposta de Plano de Ordenamento pode ser consultada na sede do parque, em Manteigas, e nas suas delegações da Guarda, Celorico da Beira, Gouveia e Seia. Além do site www.icnb.pt, o documento estará também disponível nas autarquias da Covilhã, Guarda, Manteigas e Seia, bem como na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (Coimbra) e na sede do ICNB (Lisboa). Mas para um melhor esclarecimento dos interessados, o Instituto vai ainda promover várias sessões públicas nas sedes dos seis concelhos que integram o parque natural. De acordo com Armando Carvalho, o ministério do Ambiente espera ver publicada a versão final do PO até Dezembro, vigorando depois por um período de três anos.
Quatro níveis de protecção
Área mais restritiva em termos de ocupação humana ocupa quase seis mil hectares do parque
A área de protecção especial de tipo 1, a mais restritiva, ocupa 5.935 hectares (6,7 por cento da área total do parque) e equivale à zona A da Reserva Biogenética do Planalto Superior. Ali encontram-se os «espaços onde predominam sistemas e valores naturais de interesse excepcional, incluindo formações geológicas e paisagísticas com elevado grau de naturalidade, e que apresentam no seu conjunto um carácter de elevada sensibilidade ecológica», refere o Plano de Ordenamento.
Na área de protecção especial de tipo 2 (15.478 hectares) fica a zona B da Reserva Biogenética do Planalto Superior e outras áreas de elevado valor biológico, como a Serra de Baixo, Piornos, Serra da Alvoaça, mata de Casal do Rei, Santinha e Belarteiro. No nível 3 (24.694 hectares), que serve de tampão entre a zona de maior valor ambiental e paisagístico do maciço central, estão incluídos sítios como o planalto de Videmonte, o Corredor de Mouros, o Souto do Concelho, o Espinhaço do Cão, o Vale de Loriga, a encosta de S. Bento, Santo Estêvão, a cumeada da Santinha e o Souto de Famalicão. Finalmente, na área de tipo 4 – o nível mais baixo de protecção – estão localizados os principais núcleos urbanos do parque e terrenos com vocação agrícola.
Luis Martins