Para os portugueses, os fenómenos migratórios foram desde muito cedo uma constante na História. O sonho de viver melhor e conseguir escapar a uma vida sem futuro e perspectivas tem conduzido, nos últimos, a uma nova vaga de emigração. A região não escapa à tendência e são muitos os viajantes – sobretudo jovens – que têm atravessado a fronteira à procura de uma vida diferente.
Há algum tempo atrás, Fábio Fonseca, de 21 anos, não imaginava vir a ser chamado de “emigrante”. No entanto, há quatro anos, trocou o país “à beira mar plantado” pelas montanhas da Suíça. Na altura, trabalhava na Delphi. «Mas ganhava pouco e corriam rumores sobre o encerramento da fábrica», recorda o jovem, natural da Guarda. Chegado à Suíça, fez de tudo um pouco. Lavou pratos, foi porteiro e, meio ano depois já dominava o francês. «Agora sou empregado de mesa e ganho dois mil euros por mês», revela. Mas não é só pelo salário que prefere os ares suíços. «Aqui sinto segurança para tudo, tenho o meu médico, com quem posso marcar um encontro a qualquer hora, para além de não haver listas de espera nos hospitais», exemplifica. Apesar de tudo, não esconde o desejo de regressar a terras lusas, já que a saudade faz parte do “sentir emigrante”. «Mas as coisas teriam que mudar muito», avisa.
Há pouco mais de três anos, Rafael Santos, natural da Lageosa do Mondego, trabalhava num cabeleireiro. Mas o jovem, na altura com 21 anos, quis mudar de vida. Pegou na “trouxa” e instalou-se em França. Diz que partiu «para ir ganhar dinheiro». Hoje, numa refinaria francesa, recebe uma média de 3.500 euros por mês. Motivo suficiente para, tão cedo, não querer voltar para terras lusas. «Agora, posso escolher o país onde quero passar férias e ir a locais onde, se estivesse em Portugal, jamais poderia, sequer sonhar», refere. E, como se não bastasse, ainda coloca «dinheiro de parte», para além de se poder permitir «a alguns caprichos impensáveis quando estava na Guarda». Mas as vantagens não se ficam por aqui: «Não pagamos taxas moderadoras nos hospitais, por exemplo». «Pensa-se que as coisas são mais caras em França, mas a diferença não é assim tão grande, sobretudo agora, que em Portugal está tudo a ficar caríssimo».
«Em Portugal só se consegue trabalho através de subornos»
Júlio Teixeira tem 57 anos e uma empresa de construção civil. Vai para quatro anos, mudou-se “de armas e bagagens” para Salamanca. «A precaridade e a corrupção que existe em Portugal e nas empresas portuguesas» deram o empurrão decisivo. «Em Portugal só se consegue trabalho através de subornos, já para não falar nos atrasos dos pagamentos», refere o empresário. «Os contratos raramente são cumpridos a tempo e horas. Em Portugal, o sistema só defende as grandes empresas e, quando alguma coisa corre mal, resta recorrer aos Tribunais, onde os processos se arrastam indefinidamente», acusa. Por estas e por outras, prefere trabalhar em Espanha. «Pelo menos aqui tenho a certeza de que vou receber pelos serviços que presto», diz. E há mais: «O sistema bancário é altamente eficaz, a saúde funciona melhor, existem mecanismos para que todo o tipo de prazos sejam cumpridos e há uma maior protecção no trabalho». Já em Portugal, garante, «há um clima de asfixia nas pequenas empresas». De resto, a convivência com os espanhóis é «fácil» e vive-se melhor do lado de lá da fronteira. «Há mais qualidade de vida, os bens essenciais são ao mesmo preço e os ordenados rondam os 850, mil euros». Para regressar a Portugal, o empresário refere que «teria de acontecer uma mudança muito grande». Mais controlo nas adjudicações das obras, mais fiscalização sobre os pagamentos e obrigações e mais apoio às famílias são algumas das reivindicações. Entretanto, Ana Moreira, a esposa, ainda continua na Guarda. Mas talvez por pouco tempo, porque não esconde a vontade de rumar ao estrangeiro. «Só não o faço para já, por causa do meu filho que tem apenas 14 anos», justifica.
A fuga das artes
«Na altura certa», Mário Gomes, licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior (UBI), recebeu um convite de trabalho vindo de Espanha. Actor em part-time, e sem grandes perspectivas de conseguir uma carreira no teatro, mudou-se para Madrid em Setembro do ano passado, para trabalhar como produtor, técnico e assistente de direcção. Acolheu-o «um país desenvolvido, com um mercado de trabalho grande e diversificado, onde há um equilíbrio razoável entre a oferta e a procura». O jovem, de 25 anos, considera que em Espanha «o factor “cunha” é irrelevante, há muita competição, mas mais oportunidades e os salários são superiores», mostrando-se desalentado com o seu país. «É preciso, sobretudo, uma mudança de mentalidades, para além de reformulações em todos os aspectos da sociedade. Em Portugal, o conformismo é enorme», lamenta. Também para fugir da «tradicional mentalidade portuguesa», Mário Frasco, pianista de 36 anos, rumou, igualmente, até Espanha. «Mais do que pelo aspecto económico», assevera. Há um ano que transpôs a fronteira. E encontrar emprego foi fácil, ao contrário do que sucedia em Portugal. Um anúncio na internet foi suficiente para dar o pontapé de saída numa carreira no panorama musical espanhol. Hoje, e comparativamente com aquilo que encontrou no país de “nuestros hermanos”, considera que Portugal «está um desastre completo». «Toda a gente diz estar farta, mas o problema dos portugueses é sempre o mesmo: fala-se, mas não se age», acredita. Por isso, regressar a Portugal sim. «Mas só de visita».
À procura de um lugar para construir uma família
Depois de terminarem, no ano passado, as respectivas licenciaturas na UBI, André Silva, de 24 anos, e Ana Salvado, de 26, sentiram dificuldades em entrar no mercado de trabalho. Actualmente, ele trabalha numa pizzaria e ela numa loja do Serra Shopping, na Covilhã. Face à dificuldade em encontrar emprego nas áreas em que se formaram (Engenharia Informática e Optometria), o casal optou por emigrar para Inglaterra. «Vamos em busca de salários mais elevados e melhores condições de vida no que diz respeito à saúde e à educação», adianta André Silva. «O mercado de trabalho português está a rebentar pelas costuras e não acredito que possa vir a existir, tão cedo, estabilidade em termos sociais e económicos», continua. Em Nothinghamshire, a norte de Londres, o casal espera encontrar «uma comunidade onde seja possível prosperar e começar a pensar em construir uma família, até porque acho que Portugal não é um bom país para educar filhos: a educação e a saúde estão a afundar-se e o dinheiro… não chega para nada».
Rosa Ramos
