Em 17 de Janeiro de 2008 o governo israelita estabeleceu um bloqueio à faixa de Gaza. A partir daí e nos dias seguintes, pelo menos por via terrestre, não entraram mais pessoas ou mercadorias no território. Este, com 360 quilómetros quadrados para quase milhão e meio de habitantes, é um dos territórios mais densamente povoados do planeta. Apenas 13% do seu solo é arável, dependendo quase totalmente da ajuda internacional, e de Israel, para sobreviver. Passados poucos dias do início do bloqueio, um grupo de palestinianos conseguiu romper em vários locais a fronteira de 11 quilómetros de Gaza com o Egipto. Em poucos dias escaparam por aí, em busca de alimentos, centenas de milhares de palestinianos, apesar dos esforços em contrário da polícia de choque egípcia.
Sucedem-se, por todo o mundo, manifestações de protesto contra o bloqueio. São aprovados um pouco por toda a parte, em parlamentos mais ou menos democráticos, votos de protesto. Sucedem-se editoriais e artigos de opinião anti-israelitas. Em Espanha acedem-se velas numa vigília de solidariedade por Gaza. Entretanto, adivinha-se o eclodir de uma tragédia humanitária à medida que vão passando os dias e os efeitos do bloqueio se fazem sentir. O governo israelita acaba por permitir a entrada de combustível e medicamentos. Os egípcios, entretanto, conseguem fechar de novo a fronteira.
Do território, continuam a chover os Qassam sobre Sderot. Esta é uma pequena cidade israelita, que chegou a ter mais de 24.000 habitantes. Maioritariamente povoada por operários e emigrantes do norte de África, Sderot tem a triste sina de se situar a pouco mais de um quilómetro de Gaza e constituir por isso o alvo mais fácil para os mísseis artesanais que os palestinianos lançam ao ritmo de vários por dia. Desde o início do ano caíram mais de quatrocentos. O presidente da Câmara demitiu-se recentemente, ao ver que não podia garantir a segurança dos cidadãos. Não havia dinheiro para construir abrigos em todas as casas (cada abrigo custaria cerca de 25.000 dólares) e a IDF (acrónimo para Israeli Defense Forces) recusava responder na mesma moeda aos palestinianos com o argumento de que se caísse um míssil em Gaza por cada um que cai em Sderot, as baixas civis seriam descomunais, tão densamente povoado é o território. Em alternativa, foi montado um sistema de alarme, capaz de detectar o lançamento dos Qassam e dar de imediato o alarme. A partir deste (uma voz avisa por alto-falantes o alerta vermelho: “Tseva Adom! Tseva Adom!”), cada habitante de Sderot tem então entre 15 a 20 segundos para encontrar um abrigo. Ninguém fecha as janelas, de dia ou de noite, os vendedores ambulantes estão proibidos de usar megafones, os bares e restaurantes têm a música ambiente no mínimo – cada ruído que se possa sobrepor ao aviso de alerta pode fazer a diferença entre a vida e a morte. Não se usam os quartos dos andares de cima, evitam-se locais públicos, criam-se rotinas de sobrevivência semelhantes às dos londrinos na segunda guerra mundial. A cidade tem hoje menos de 17.000 habitantes – os que não têm meios para ir viver para outro lado. O preço das casas e dos terrenos caiu a pique mas nem assim se encontram compradores.
O governo israelita fez saber que não cessaria o bloqueio enquanto continuassem a ser lançados mísseis a partir da faixa de Gaza. Infelizmente, sem grandes resultados: no auge da crise, quando no ocidente se começava a comparar o território ao Darfur e se intensificavam os protestos contra o bloqueio, os Qassam continuavam a ser lançados diariamente sobre Sderot.
Por: António Ferreira