Imigrantes

Escrito por António Ferreira

Os imigrantes marcaram o ano de 2024. Donald Trump baseou neles a sua campanha eleitoral, tal como o fazem a maior parte dos partidos de extrema-direita que este ano foram a eleições. A extrema-direita, como se sabe, é solidária entre si e partilha os mesmos valores, incluindo o ódio aos imigrantes. Isso é típico de quem necessita de inimigos para agregar apoiantes à volta de um “homem forte”, mas a xenofobia nacionalista corre riscos de falta de coerência e de lógica. Por exemplo: Elon Musk veio elogiar e apoiar a AfD, um partido alemão anti-imigrantes. Quer isto dizer que Elon Musk e Donald Trump vão fazer uma excepção relativamente a imigrantes alemães? E Ventura, que pensa da vaga de imigrantes americanos que se propõem fugir de Trump, ou, tão amigo de Bolsonaro, dos muitos brasileiros que vieram para cá quando ele era presidente do Brasil? Que pensa Ventura acerca do problema dos milhares de portugueses que estão ilegalmente nos Estados Unidos e podem vir a ser expulsos?

O problema parece ser a cor da pele, embora ninguém o admita com facilidade. Ou então a religião. Os dirigentes desses partidos não o dizem, mas os seus apoiantes gritam-no ruidosamente nas redes sociais. São os negros, os morenos, os muçulmanos. Quando a polícia encostou dezenas de pessoas à parede no Martim Moniz, à procura de armas e bandidos que não encontrou, não escolheu os louros de olhos azuis. Toda esta gente, governo, partidos de extrema-direita, polícias, está a tentar convencer-nos do perigo trazido pelos imigrantes e a criar as condições para o crescimento da xenofobia e dos crimes de ódio.

Ao mesmo tempo, importantes setores da nossa economia mostram-se cada vez mais dependentes de mão-de-obra estrangeira. Recorda-me isto a França ou a Alemanha dos anos 60 do século passado, para onde emigraram milhões de portugueses. Muitos deles foram vítimas de xenofobia e muitos outros, embora menos, achavam eles próprios que era ótimo estarem em França, ou na Alemanha, e só era pena haver lá tantos árabes.

A chave parece ser o ódio agregador, o medo ao outro que faz cerrar fileiras, a procura de soluções simples para problemas complexos que acabam por torná-los insolúveis. Temos uma das sociedades mais envelhecidas do mundo, temos indústrias com uma gritante falta de trabalho, como, por exemplo, a construção civil, precisamos por ano de cem mil imigrantes mas temos setores da nossa sociedade que acham que é importante encostá-los à parede em rusgas discriminatórias, recusar-lhes cuidados médicos ou simplesmente expulsá-los. É evidente que a admissão de estrangeiros não pode ser caótica e deve obedecer a regras, aliás já estabelecidas há muito. É muito simples: basta cumprir a lei.

Há depois o caso do psiquiatra simpatizante do AfD que odiava muçulmanos e decidiu entrar com um carro a alta velocidade numa feira de Natal, onde não era suposto encontrar tantos muçulmanos como isso. Quando descobriram que era árabe, cavalgaram a xenofobia e o anti-islamismo, mas quando apareceram as ligações ao AfD e se percebeu ele ser ateu ficaram sem saber como catalogar o assunto, como encaixá-lo na sua estreita visão das coisas.

Enquanto terminava esta crónica, apareceu na televisão André Ventura. Falava de um «genocídio político» em curso contra as polícias. A sério?

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António Ferreira

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