Há dias, li no Diário de Notícias que a viagem de comboio entre Lisboa e Porto foi reduzida em 10 minutos. Um avanço celebrado, não sem razão. Afinal, 2h48 para percorrer 274 km é um marco de eficiência que faz o país parecer mais pequeno e mais próximo. Mas, ao mesmo tempo, não consigo deixar de pensar na Covilhã, para onde me desloco hoje. São 279 km, apenas 5 a mais, mas a viagem dura quase 4 horas. É como se o tempo decidisse viajar mais devagar, resistindo a qualquer modernidade. E, se perder o comboio das 13h15, terei que esperar pelo das 19h15, um intervalo de 6 horas que soa mais a desânimo do que a logística. Não há Kafka que me console: é só exasperante.
O problema, contudo, não se resume aos horários ou aos quilómetros. O que está em causa é a visão sobre o país e as suas prioridades. Lisboa e Porto, os centros pulsantes da nação, possuem redes de transportes que lhes garantem uma conectividade invejável, reflexo de um investimento contínuo e estratégico. No entanto, o resto do território parece viver à margem dessa dinâmica, não por descuido malicioso, mas por uma espécie de esquecimento estrutural. Prometemos ser um “estado de todos”, mas as fronteiras invisíveis que surgem na ferrovia, nos autocarros e nas políticas públicas mostram que essa promessa ainda carece de substância.
Enquanto nos preparamos para encurtar a viagem Lisboa-Porto para apenas 1h15, e se discute com entusiasmo a alta velocidade entre Lisboa e Madrid, as distâncias simbólicas dentro do país continuam a crescer. Imagine o impacto de uma ligação moderna entre Lisboa e a Covilhã, onde a viagem pudesse ser feita em menos de 1h30. Não seria uma utopia. Cidades como Covilhã, Castelo Branco ou Guarda poderiam finalmente sair da sombra e integrar-se de forma plena no mapa da mobilidade nacional. Quem cruza o Tejo diariamente para trabalhar em Lisboa poderia, sem dificuldade, fazê-lo a partir destas cidades. Mas o “e se” continua a ser uma miragem, porque a prioridade parece estar sempre lá fora – Vigo, Madrid, conexões internacionais. O interior continua à espera, como se o tempo fosse uma garantia infinita.
Reconheço que programas como o “Emprego Interior MAIS” ou o “+CO3SO Emprego Interior” são passos na direção certa, mas parecem mais curativos do que preventivos. Dados do Observatório Nacional de Desertificação mostram que quase metade do território vive em risco de abandono. As respostas têm sido pontuais, nunca estruturais, e o abandono avança como um comboio sem travões.
A realidade é que, mesmo num país pequeno como Portugal, as divisões persistem. Não é a geografia que separa litoral e interior, mas a forma como insistimos em tratá-los como mundos distintos. Um país que tem apenas 218 km de largura deveria funcionar como um todo. Cada quilómetro de linha férrea ou cada política de mobilidade integrada não é apenas uma obra de infraestrutura; é um gesto de pertença. É a certeza de que todas as regiões importam.
Talvez, um dia, possamos viajar entre Lisboa e a Covilhã sem sentir que estamos a cruzar mais do que quilómetros. Talvez, nesse dia, o tempo deixe de ser uma barreira entre o que o país promete e o que ele realmente oferece. Afinal, o futuro não se mede em minutos ou trilhos. Mede-se na capacidade de criar caminhos que todos possam percorrer. Como escreveu Eugénio de Andrade:
“Também o deserto vem/ do mar. Não sei em que navio,/ mas foi desses lugares/ que chegaram ao meu jardim/ as palmeiras./ Com o sol das areias/ em cada folha,/ na coroa o sopro/ ainda húmido das estrelas”
“Também o deserto vem” – Eugénio de Andrade (2005)
E talvez, um dia, essas palmeiras não sejam apenas memórias distantes, mas raízes que liguem cada canto deste pequeno grande país.