Como num mistério de sagração

Escrito por Diana Santos

“Perto da estrela polar irá elevar-se uma cidade, a mais próxima da luz, esta que se imagina com a exata medida da força de todos os nossos sonhos e vontades. “

Com a “Estrela Polar” contra o peito, agarro-me aos raios de sol que se demoravam na Praça da «cidade escura, negra de inverno e velhice» e recordo-me do primeiro dia em que subi ao topo da Catedral. De olhos postos no céu, brindado pelas cores de uma despedida luminosa, vi o que só se vê quando se chega ao cume de uma montanha. Prometi, então, a Vergílio, de olhos molhados e inundada de certeza interior, lutar pelas suas palavras perenes: «essa cidade Velha, de lentos fantasmas ferrugentos, há-de elevar-se para sempre perto da estrela polar». O que se escreve no tempo traça o seu destino, desde que alguém o leia.
Por entre pináculos majestosos, percebi que somos muito maiores do que nos fazem crer e que há um caminho de luz que não se vê do chão. Nesse dia, aprendi que os poemas não se escrevem, os poemas já estão escritos à espera que alguém os encontre.
«Penalva é pequena, tudo se sabe, tudo se remexe», mas a altitude tem um segredo bem guardado – o de esconder o próprio Segredo. Desde então, a Guarda nunca mais me foi igual. A possibilidade de mundos que se revelaram num único pôr do sol fez em mim brotar a Filosofia da Cidade e a minha deambulação passou a ter um propósito. Vejo a cidade que ainda não se vê, a cidade invisível que me habita o sonho e que se quer destino. O lugar da imaginação concretiza-se com a criação e com a sede dos loucos, que fazem da ousadia fonte para a concretização – não é isto a Revolução?
Comunguemos do comum que nos une e lembremos-nos de que, antes de nós, já tantos sonhadores concretizaram a sua Guarda, em forma de foral, de castelo, de catedral, de portas e muralhas, de poema, de literatura, de escolas, de sanatório, de rádio, de teatro, de jornal, de biblioteca, de centro de estudos ibéricos ou de parque urbano.
Também nós seremos capazes de fazer a Revolução e de emergir desta longa noite que dura há mais de uma década.
Do alto da Catedral tocou-se um violino, enquanto um pintor inscrevia em tela o encanto da paisagem. Cantou-se a Liberdade, renasceu a livraria, a Aida e o Adalberto, o coreto espoletou no meio da Praça a pulsar de arte. O rei que nos fundou reassumiu protagonismo, reapareceram as bicicletas que circulavam por Penalva, a Mata voltou a ser caminho de sonho puro.
Perto da estrela polar irá elevar-se uma cidade, a mais próxima da luz, esta que se imagina com a exata medida da força de todos os nossos sonhos e vontades.

* Referências à obra “Estrela Polar”, de Vergílio Ferreira

Sobre o autor

Diana Santos

Leave a Reply

1 comentário

  • Muito bem Dianinha, continue assim Será sempre uma lufada de ar fresco quandos lemos textos de verdade com suavidade. Beijinho António Isidoro Cumprimentos aos papás. 🙂