A Caixa Geral de Depósitos (CGD) vai levar a ‘parte de leão’ das indemnizações apuradas no processo de falência da Gartêxtil, encerrada desde Maio de 2002. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou recentemente que o banco, principal credor da fábrica de confecções, sobre a qual detinha uma hipoteca, tem preferência quanto à receita gerada pela venda do património imobiliário da empresa da Guarda-Gare, isto é mais de 1,6 milhões de euros.
Para trás ficam os créditos dos 160 ex-trabalhadores, aos quais cabem autênticas “migalhas”. É que as indemnizações devidas terão que ser calculadas em função dos 150 mil euros obtidos com a venda da maquinaria e tecidos. O que é muito pouco para quem reclamava 1,5 milhões de euros por ordenados e subsídios em atraso. O problema é que o que vai ser pago será apurado rateadamente, o que significa que poderá não haver dinheiro para todos. Uma má notícia para quem já teve que esperar dois anos para ser compensado pelo Fundo de Garantia Salarial da Segurança Social. Os montantes atribuídos chegam aos 6.500 euros, mas houve casos de trabalhadores que não receberam nada. Quem sempre desconfiou que a CGD, que reclamava 3,1 milhões, levaria «a maior fatia do bolo» neste processo foi Isabel Maria. Por isso, a antiga empregada do escritório, durante 16 anos, já não estava a contar «com nada» da Gartêxtil. «Nem posso dizer que me sinto enganada, porque não tinha qualquer esperança de receber uma indemnização de jeito. Preciso é de trabalhar», acrescentou.
Para o advogado do Sindicato Têxtil da Beira Alta (STBA), a prevalência do banco não causou surpresa: «É a jurisprudência da sentença de inconstitucionalidade da prioridade dos créditos dos trabalhadores num processo de falência com hipotecas à banca», disse. No entanto, António Ferreira garante que a decisão teria sido outra se o novo Código do Trabalho estivesse em vigor aquando da declaração de insolvência da empresa. «Os trabalhadores teriam preferência não só em relação aos bens móveis, mas também aos imóveis, mesmo em processos de falência com hipotecas, uma vez que era nas instalações da falida que desempenhavam funções», afirmou. A insolvência da Gartêxtil foi decretada em Junho de 2005, com uma dívida de mais de 5,5 milhões de euros a trabalhadores, bancos, fornecedores e prestadores de serviços. Em contrapartida, o património, móvel e imóvel, da fábrica foi avaliado em cerca de 1,6 milhões de euros. No entanto, a Caixa Geral de Depósitos sempre contestou a prioridade dos créditos dos trabalhadores, tendo mesmo solicitado cópias dos documentos de cessação de trabalho para apurar a legitimidade de tal estatuto. António Ferreira sempre desconfiou que a CGD pretendia prolongar judicialmente o caso para «evitar que os trabalhadores ficassem à frente do banco para receber o que resultasse da venda do património da fábrica».
O fecho inesperado da Gartêxtil, em Maio de 2002, uma das principais empregadoras do concelho, apanhou a cidade de surpresa. A administração demitiu-se de funções, numa altura em que já não tinha encomendas nem tecido em armazém, deixando cerca de 190 trabalhadoras no desemprego. Foi o fim de muitas ilusões para empresários e funcionários, que viveram uma moratória de quatro anos desde a chegada da Carveste. Depois de vários anúncios de abertura e propostas de aquisição, alguns trabalhadores decidiram processar a administração. Nove funcionários, que se despedirem com o fundamento de salários em atraso, moveram uma acção judicial afim de tentarem reaver os vencimentos que já não recebiam desde Maio de 2002. Por apurar está o que se passou na empresa para que tenha fechado ao fim de quatro anos após injecção de mais de 1,8 milhão de euros de apoios, atribuídos pelo IAPMEI, e de um processo de recuperação durante o qual o seu passivo foi drasticamente reduzido e com prazos de pagamento a longo prazo (10 anos), tendo os trabalhadores abdicado de 90 por cento das suas remunerações em atraso.
Luis Martins