Na semana passada, aos 80 anos de idade, morreu a cantora francesa Françoise Madeleine Hardy, mas a generalidade da comunicação social, talvez num exercício excessivamente lúbrico, talvez pela dificuldade que existe no imaginário colectivo em aceitar o envelhecimento do corpo feminino, decidiu ilustrar a notícia com fotografias que lhe congelavam a idade nos seus tempos de juventude. Desconfia-se, no entanto, que só se confirmará qualquer uma destas hipóteses quando chegar a hora de Sir Paul McCartney ou de Sir Michael Philip Jagger. De momento, os únicos exemplos de descongelamento etário, na hora da morte e para além dela, que nos ocorrem são os de Marguerite Yourcenar, desaparecida em 1987, aos 84 anos de idade, da Duras, em 1996, aos 82, da Sofia, aos 85, em 2004 e o da Agustina, já a puxar para centenária, em 2019.
Sucede que estas eram todas escritoras e, para o tabu em que parece ter-se transformado o envelhecimento de uma mulher, mais ou menos bonita, o que ela escreve, ao contrário do que acontece com quem não se dedica a esse ou outro ofício parecido, ainda não conta muito. Facto que, ainda assim, as não deverá deixar descansadas, pois o desinteresse por mostrar a velhice, principalmente no feminino, não pára de aumentar. É certo que, no que às mulheres velhas diz respeito, mesmo sendo renomadas intelectuais e as rugas signifiquem vincos de inteligência e o corpo a admirar seja outro, a idade parece, cada vez mais, querer deixar de lhes ficar bem, mas, embora as marcas da decrepitude continuem a ser muito mais toleradas ou até valorizadas nos homens, a julgar pela proliferação de clínicas capilares, dentárias, estéticas e outras de idêntica índole dedicadas exclusivamente aos homens, revelam que eles também não estão a sair incólumes da avassaladora aversão aos sinais da velhice que nos tem vindo a atacar.
O que, não fosse a recente tendência de, na hora de alcandorar alguém a lugar de destaque social e político (não demorará nada para chegarmos ao do destaque intelectual), privilegiarmos os muito jovens e mesmo inexperientes, nem sequer seria caso para nos preocuparmos mais do que o que nos preocupamos com a qualidade do fato com se revestem alguns dos recém-eleitos, dos candidatos a eleitos e dos candidatos a candidatos a eleitos que de trás de todas as moitas emergem por esta Europa afora. Essa e o facto de parecer que se está a querer relegar para segundíssimo plano os que aos 70 anos se querem médicos, professores, fazedores de qualquer coisa para que os jovens, entretidos com coisas maiores, como ser “comentadores”, “produtores de conteúdos digitais”, “influencers”, e outros, capazes de os levar a ser propostos para lugares responsáveis pelas nossas vidinhas, não mostram aptidão nenhuma. Se calhar, o que nos deveria, mesmo, preocupar é que esta a juventude, assim idolatrada e promovida, não passa do produto acabado de todos os velhos e, principalmente, de todas as velhas, sejam elas mais ou menos assumidas, mais ou menos dissimuladas, mais ou menos congeladas nas fotografias com que a comunicação social, vivas ou mortas, dá em no-las noticiar.
A idade fica-nos cada vez pior
“Facto que, ainda assim, as não deverá deixar descansadas, pois o desinteresse por mostrar a velhice, principalmente no feminino, não pára de aumentar.”