A música é uma tragédia. Vou para a praia, e uns tontos levam colunas e obrigam-me a ouvir aquelas pancadas que tanto gostam. Vou ao café e canta a televisão, o rádio e os telemóveis dos clientes.
Vou à promenade na beira-mar de uma aldeia qualquer e lá estão os altifalantes a debitar ruídos que afugentam o mormulho e os chilreios. Estou para almoçar e a televisão enche os espaços do silêncio com notícias e opiniões que dispensava.
A música tortura-me. A música foi concebida para a intimidade. A música libertou-se do corpo para afagar, para acarinhar, para consolar, para partilhar com alguém próximo. Também pode haver música de partilha num bar, numa discoteca e nessa altura ela é a razão de ser de ali se estar. Quem não quer não frequenta.
Nos lugares de onde não a procuramos que faz ela por lá? Tortura! Nas piscinas, a dar aulas a idosos. Nos ginásios, aos berros, a incentivar a musculação. Tortura-me! Podemos andar ouvindo a mesma canção. Podemos desenhar magias a partilhar listas sonoras. Podemos construir amarras e bandas sonoras dos dias apaixonados.
Podemos, mas não as podemos colocar no altifalante da estrada, nem distribuir a paixão pelas janelas abertas do carro. A música sem quartel incomoda e tortura. Hoje, com os telefones aos gritos, a coisa piorou muito. Por vezes aborrece-me mais o som que o tabaco.
A música ofende
“A música tortura-me. A música foi concebida para a intimidade. A música libertou-se do corpo para afagar, para acarinhar, para consolar, para partilhar com alguém próximo.”