Mão de amigo enviou-me um e-mail com um ursinho e uma interessante questão (a pergunta, tanto quanto me apercebi, não foi feita pela ursinho): “Mas tu és parvo ou quê?”
Devo explicar que esta questão veio a propósito de um recado que eu mandei pela mulher dele (do meu amigo, desconheço a situação conjugal do ursinho): “Diz ao M. que quando quiser que passe lá em casa para levar a colecção completa da Gina, os bilhetes para o futebol e as grades de cerveja que ele me pediu.” Parece que ela não achou grande piada, o que me deixou ressentido. É que o recado era para ele, ela não tinha nada que prestar atenção ao que lhe disse. Decorava as palavras e transmitia. Não se metia na conversa.
Contextualizada, a questão torna-se interessante sob vários pontos de vista. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (ando a fotocopiar o Dicionário da Academia aos bochechos e ainda só tenho até à palavra “massoreta”) um “parvo” é um tipo “pouco inteligente, idiota, pateta, pequeno”. Esta definição não deixa margens para grandes dúvidas – sou parvo e em quatro dimensões. Isto deixou-me desgostoso, porque é normal ser parvo a três dimensões (na vida real) e a duas dimensões (nos reality shows), mas quadridimensionalmente – provavelmente a palavra mais longa da história desta publicação, senhores do Guinness – é coisa rara e aflitiva.
Respondi-lhe que sim, que está cientificamente provado que sou parvo, e quando é que ele vinha cá buscar as revistas, os bilhetes e a cerveja. Ele respondeu que talvez ainda viesse esta semana, se conseguisse descobrir onde a mulher guardou a chave do cadeado da porta do quarto.
Talvez o leitor queira saber que interesse tem isto. E a resposta é simples. Nenhum. Mas o livro da Carolina Salgado também não tem qualquer interesse – a não ser para amantes de pormenores sobre higiene na terceira idade ou de espancamentos em parques de estacionamento, um subgénero apreciado nas bancadas VIP dos estádios – e tem vendido que se farta.
Conto aos leitores este pequeno episódio da minha vida por duas razões. A primeira e a segunda, as quais garanto ao leitor serem totalmente desinteressantes e até um pouco palermas. Além de que o leitor não tem nada a ver com a minha vida. A não ser que o leitor seja meu pai ou minha mãe. Nesse caso, o melhor é telefonar.
Na realidade este acontecimento quotidiano foi totalmente inventado por mim. Refiro-me ao e-mail de um amigo. O facto de eu ter pai e mãe é mesmo verdade, embora eles desconheçam esse facto, depois de eu ter saído de casa com 12 anos de idade para presenciar in loco (à doida, em latim) a concepção de Scarlett Johansson. Há obsessões que nos perseguem toda uma vida. Os leitores mais espertos estarão agora a pensar: “Bolas, nunca mais é sábado de manhã para eu ir à rua comprar o Sol e poder ler textos mais inteligentes que os deste gajo, como por exemplo, os conselhos sexuais da Margarida Rebelo Pinto.” Aos outros que ainda me restam quero dizer isto: “Levante-se do chão e limpe a baba dos cantos da boca.”
Uma vez que esta estória foi inventada, é óbvio que não mandei nenhum e-mail ao meu amigo a dizer que sim, senhor, sou um grande parvo. Mandei foi à mulher dele. Com um ursinho e a perguntar “Mas tu és parva ou fazes-te?” (perguntei eu, o ursinho não creio que tenha perguntado nada).
Por: Nuno Amaral Jerónimo