Há um momento na nossa infância em que cristalizamos uma imagem do mundo que nos rodeia. Dela fazem parte os membros da família, amigos, vizinhos e conhecidos. Parece que tudo será sempre assim. Mas, inevitavelmente, lá chegará o dia em que um deles parte. É nesse momento que esse retrato de um mundo encandilado sofre o seu primeiro estilhaço.
É aí que nos informam pela primeira vez daquele lugar celestial, para onde foi o recentemente falecido. Ali reina a paz e a tranquilidade. Não há problemas, nem há sofrimento. Um dia, lá nos havemos de reencontrar todos. Ou, melhor dizendo, lá se haverão de reencontrar as melhores versões de cada um de nós. E lá viveremos para todo o sempre.
Assim é o céu dos simples.
A crença na existência de um “céu” para que os partem é, sem dúvida, umas das ideias mais poderosas que alguma vez surgiu. Fornece conforto aos que veem os seus entes queridos partirem (“foi para um lugar melhor” e “um dia estaremos novamente juntos”) e esperança e objetivo aos que por aqui andam (“vais ganhar o céu”). Se fosse possível identificar o autor desta brilhante ideia, atribuir-lhe todos os prémios Nobel de uma assentada seria muito pouco.
Voltemos ao primeiro estilhaço. Desse momento em diante, começamos a ganhar a noção de que a longa vida que temos pela frente terá pouco de imutável e de estável. Em verdade, ela assemelha-se muito a um carrossel. Uma volta com altos e baixos, mas guiada por padrões repetitivos, em que os lugares à nossa volta são preenchidos pelas pessoas que connosco partilham esta viagem. Enquanto uns familiares e amigos vão abandonando a roda, novos familiares e amigos vão ocupando os lugares deixados vazios.
Antes de ser chegada a nossa vez de abandonar este giro repetitivo, o melhor que podemos oferecer a quem nos acompanha, mais de perto ou mais de longe, é a aceitação. A aceitação incondicional. Aceitar os outros como eles são, com as suas qualidades e os seus defeitos, com as suas virtudes e as suas falhas.
Um simples gesto, é certo. Mas como o amor e a bondade não têm forma, talvez todo o amor e toda a bondade que existem no Universo possam caber aí mesmo: no interior de um simples gesto.
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