António Costa vai embora. Deixa atrás uma economia em crescimento, taxas de desemprego e inflação controladas, dinheiro nos cofres. Ninguém o vê como arguido no processo que justificou a sua demissão e os “casos e casinhos” dos últimos dois anos justificariam uma profunda remodelação do governo mas nunca eleições antecipadas. É verdade que havia um clamor generalizado a exigir eleições, mas era da oposição e do seu interesse em ter à sua disposição os milhões do PRR.
A pressa do presidente em indigitar Luís Montenegro para o cargo de primeiro-ministro, mesmo havendo ainda a possibilidade do PSD ser o segundo partido mais votado e ficar atrás do PS, apenas mostra que no fundo continua a ser militante do PSD.
Verificamos agora, contados quase todos os votos, que mais de um milhão de portugueses compraram o peixe que André Ventura tinha para vender. Augusto Santos Silva, que se arrisca, cortesia do Chega, a não ser eleito deputado, distingue três categorias de eleitores do Chega (“Público”, 17 de março de 2024): «Os que querem mostrar que estão frustrados e zangados, porque esperavam mais, para o seu bem-estar, da democracia; os que acreditaram na demagogia do tudo para todos com que o Chega procurou atrair funcionários, polícias, agricultores, pequenos empresários e idosos; os que comungam da ideologia da extrema-direita, sendo convicta ou superficialmente nacionalistas, xenófobos, machistas, intolerantes, adversários da ação climática e avessos a normas de civilidade e respeito democrático».
Concordo. Temos portanto os que acham que dar grandes cabeçadas na parede é o melhor remédio para a dor de cabeça, os compradores compulsivos de banha-da-cobra e os vendedores de banha-da-cobra. Não vale a pena acharmos que são muitos, ou demasiados: sempre andaram por cá e sempre houve defensores da pena de morte ou da castração de pedófilos, ou de que todos os políticos são corruptos, ou de que os incendiários deviam ser atados a um pinheiro a arder, ou de que “eles querem todos é poleiro” e sempre houve os pobres diabos que acreditam em tudo o que lhes dizem ou prometem, desde que seja feito aos gritos. A única novidade é votarem agora todos, ou quase todos, no mesmo partido.
A decadência da comunicação social tem também estas consequências. Há cada vez menos jornalismo sério e independente, mas ainda há. Mesmo assim, qualquer aldrabão do “Youtube” ou do “TikTok” chega a mais pessoas que qualquer jornalista do “Expresso” ou do “Público”. O jornalismo dito de referência chega a poucas centenas de milhares de leitores. A televisão está engajada, como boa parte dos jornais, mas ainda é preferível à propaganda desonesta que é distribuída nas redes sociais. As notícias dos órgãos de comunicação social são escolhidas de acordo com as fidelidades de quem as edita e com objetivos que vão muito além do dever e direito de informar, mas continuam a ser a fonte mais fiável de informação.
Uma das grandes discussões do momento nos Estados Unidos tem a ver com liberdade de expressão: pode-se punir ou não quem deliberadamente divulga notícias falsas? Há muitos que acham que não, que todos têm direito à sua própria “verdade” e que a divulgação de mentiras é uma simples manifestação da liberdade de expressão de quem mente. Quem defende esta tese? A extrema-direita, ali representada pela ala mais reaccionária do Partido Republicano.
A pergunta que deveríamos agora fazer é “Qual é o objetivo?” ou “Porque precisam de mentir para ganhar eleições?”, mas melhor ainda é fazer a mãe de todas as perguntas: “O que vão mesmo fazer quando as ganharem?” Um dia saberemos mas será tarde demais, infelizmente.
Um peixe pouco fresco
“A decadência da comunicação social tem também estas consequências. Há cada vez menos jornalismo sério e independente, mas ainda há. Mesmo assim, qualquer aldrabão do “Youtube” ou do “TikTok” chega a mais pessoas que qualquer jornalista do “Expresso” ou do “Público”. “