O INTERIOR faz 24 anos. Lembro-me bem do dia em que O INTERIOR saiu nas bancas pela primeira vez. Estávamos em janeiro de 2000, um tempo invernoso, frio, chuvoso. Nevava. A vida de O INTERIOR nunca foi fácil. Desde o início, o seu fundador, o Luís Baptista-Martins, teve de lutar muito para erguer e fazer crescer este projeto. Claro que o Luís nunca esteve sozinho, ninguém faz nada sozinho, rodeou-se de um grupo de colaboradores motivados. Ao longo dos anos, fui dando o meu contributo modesto. O INTERIOR nasceu precisamente quando estava a acabar a época de ouro dos jornais: os séculos XIX e XX.
A tipografia na Europa data do século XV. A impressão de notícias ou os comunicados em papel, distribuídos ou colados em paredes, desenvolvem-se nos séculos XVI e XVII. Ainda não eram bem os jornais como os conhecemos hoje. Em meados do século XVII aparecem cadernos impressos de notícias, a que chamaram Gazetas ou Mercúrios – supostamente uma gazeta era quanto custavam estas publicações em Veneza e Mercúrio era o deus grego das mensagens. Portugal esteve sempre na linha da frente. No século XVII circulavam por cá várias Gazetas, nas quais se comentava a atualidade, a política, a cultura, o teatro.
Em Portugal, entre 1807-1814, durante as guerras napoleónicas, há uma explosão de publicações. Muitos jornais nascem com objetivos políticos, serviam para representar o Governo ou os partidos. É neste século que surge o conceito de espaço (ou esfera) pública. As pessoas queriam acompanhar os acontecimentos e formar uma opinião. A isto chamou-se opinião pública, a qual está intrinsecamente ligada à democracia. O debate saiu das igrejas, e passou para os cafés, os teatros, a academia, onde se discutia de forma acesa as notícias, os acontecimentos.
Uma vez mais, Portugal acompanhou todos estes movimentos. Nesta altura, apenas 20% da população portuguesa era alfabetizada. Isto não impediu que se fundassem vários jornais com objetivos de lucro. Foi o caso do “Diário de Notícias” em 1864, de “O Século” em 1880 ou do “Jornal de Notícias” em 1888. Dar lucro sempre foi a maior garantia de liberdade e autonomia de um jornal ou de qualquer órgão de comunicação social. Só assim podem cumprir a sua função de quarto poder, o poder que vigia os outros três poderes: legislativo, governativo e judicial.
Entretanto, O “Século”, talvez o maior e melhor jornal português de todos os tempos, morreu em fevereiro de 1977 após uma nacionalização desastrosa. Como é sabido, os históricos DN e JN vivem hoje dias difíceis. Ainda recentemente, muito se falou da crise do grupo Global Media ao qual pertencem estes e outros títulos importantes.
Salários em atraso, despedimento, ameaças de encerramento de vários títulos trouxeram de volta a discussão sobre a necessidade do Estado intervir neste sector. Não tenho uma opinião definitiva sobre o assunto. Porém, tenho imensas reservas sobre essa intervenção. A experiência portuguesa parece dizer-nos que o princípio do fim de muitos jornais começou com as nacionalizações. Após essas intervenções estatais, os jornais nunca mais voltaram a ter o prestígio que tiveram outrora. Claro que o problema é muito mais complicado. Desde logo há a revolução da internet, um assunto que não cabe neste curto espaço.
No meio desta crise, os media locais são os que mais sofrem. Todos os anos fecham milhares de jornais e rádios locais por esse mundo fora. É triste. Desolador. Quem vai continuar a falar da escola dos nossos filhos a precisar de obras urgentes? Ou do clube de futebol sem financiamento? Ou dos problemas de segurança do nosso bairro? Ou da pequena empresa que fechou e lançou pessoas no desemprego? Enfim, quem vai falar das coisas concretas, das coisas que nos dizem diretamente respeito? O INTERIOR tem desempenhado esse papel de forma exemplar nos seus 24 anos de vida.
Em vez de esperarmos pela salvação do Estado, talvez o melhor que temos a fazer é comprar os jornais locais. Antes que seja tarde demais. Parabéns a O INTERIOR. Muitas felicidades.
* Professor do Instituto Politécnico da Guarda e colaborador de O INTERIOR