Birch*

“O tempo é o teste decisivo à nossa convicção sobre a transitoriedade de todos os fenómenos. Se perdura, faz-nos crer que nada, nem mesmo uma dor insuportável, se há-de transformar noutra coisa.”

1. Com Pedro Nuno Santos, o PS tem pela primeira vez como líder um “contestatário” juvenilizado, saído das classes privilegiadas, sem vida para além da política. Se vivesse nos anos 70, feria parte, como muitos meninos-família, de organizações extremistas, senão mesmo terroristas. PNS viveu sempre numa dupla bolha. A bolha da irresponsabilidade e a bolha da formatação política. O mundo real é para ele uma projecção, um segundo plano. Não é um comissário político, mas um adolescente dispendioso para os contribuintes, caprichoso, boçal e repentista. Capaz de pôr a ferver as hormonas das Alexandras Leitões e Isabeis Moreiras do PS e esganiçadas do bloco. E também não é um revolucionário, mas um tonitruante aparelhista, deslumbrado com os vícios do capitalismo, que diz desprezar. Para mim, é uma dádiva do céu. Um belíssimo saco de pancada.

2. O tempo é o teste decisivo à nossa convicção sobre a transitoriedade de todos os fenómenos. Se perdura, faz-nos crer que nada, nem mesmo uma dor insuportável, se há-de transformar noutra coisa. Se é breve, tudo fica mais fácil. Um ano que começa e outro que acaba é só um pretexto para um repentismo alucinado. Criado pela mente para se reproduzir em nome da esperança. Para manter tudo basicamente como está. Difícil é criar um posto de observação. Desligar a cavalgada frenética dos pensamentos. Até que eles deixem de reparar em nós.

3. A comunicação de Marcelo, a propósito do caso das gémeas, embora necessária, não convence. Porque é que a presidência contactou previamente o Hospital de Santa Maria, antes de enviar o pedido chegado do Brasil para o gabinete do PM? Os bons ofícios do PR esgotam-se na chamada magistratura de influência. Se lhe vem ao conhecimento alguma situação particular que mereça a atenção das entidades públicas, endossa ao Governo, eventualmente com sugestões. Já acabou o tempo em que os reis, no seu trono, escutavam as queixas dos súbditos e decidiam na hora sobre a questão, sem necessidade de qualquer validação. Marcelo parece ter feito uma interpretação extensiva dos seus poderes. No espaço e no tempo. Por outro lado, pode bem ter acontecido que isto foi uma armadilha montada por Costa. A hipótese, embora tentadora, parece rebuscada.

4. Coloco cada palavra na mesma luz e na mesma tonalidade de cinzento. Uma tonalidade algures entre a cor de um velho tapume e a cor de uma nuvem baixa. A diversidade é o meio onde cintila o meu espírito. A economia profundamente humana onde descrevo os meus personagens. Suspensos. Hesitantes. Amantes do jogo. Prisioneiros da cor do pormenor. Da vida derramada como aguarela. Onde os faço banhar numa bruma verbal delicadamente irisada. Seres encantadores e ineficazes. Criaturas bizantinas e patéticas. Que vão desbaratando uma existência provinciana. Encarcerados numa bruma de sonhos utópicos. Sabendo reconhecer perfeitamente o que vale a pena ser vivido. Mas atolando-se na lama de uma existência monótona. Idealistas inúteis. Sedutores por tédio. Heróis detentores de uma bela verdade humana. Fardo esse que não podem carregar nem evitar carregar. São personagens que tropeçam. Que tropeçam porque olham para as estrelas. Enquanto caminham. Que podiam sonhar, mas não governar. Que perdem todas as oportunidades. Que se furtam a qualquer acção. Que passam noites em claro. Concebendo mundos que não podem construir. São os Davids franzinos numa era de Golias rubicundos. São aqueles que nos podem resgatar. Sem condições. São eles os habitantes das paisagens desoladas. Dos salgueiros mortos nas bermas das estradas lamacentas. Dos corvos cinzentos, dilacerando os céus cinzentos com as suas asas cinzentas. Do vapor de alguma lembrança inesperada, emanando subitamente de uma banalíssima esquina da rua. Da penumbra patética. Da fraqueza encantadora. De todo um mundo de todas as cores da cinza. De partidas adiadas e regressos não anunciados. É deles que eu me nutro.

*No calendário vegetal celta, significa Bétula
** O autor escreve de acordo com a antiga ortografia

Sobre o autor

António Godinho Gil

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