Nelson Rodrigues é provavelmente um dos nomes maiores da escrita brasileira do século XX. Truculento quanto baste, polémico quase sempre, de direita assumido e democrata de corpo inteiro deixou reflexões numa obra que foi recentemente reeditada em Portugal e que merece leitura atenta.
«A opinião deixou de ser um acto pessoal, uma posição solitária, um gesto de orgulho e desafio. É o jornal, é o rádio, é a televisão, é o anúncio, é o partido que pensa por nós. Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio. Há toda uma massa de frases feitas, de sentimentos feitos, de ódios feitos». Estas palavras de Nelson Rodrigues tornaram-se um eco comum numa sociedade que seria «tendencialmente de liberdade».
Vivem-se momentos nebulosos no quotidiano do país, embora não queira afirmar que se chegou ao estado em que o imorredoiro João César Monteiro dizia: «A primeira condição para se ser ministro da Cultura, neste país, é distinguir uma vaca de um boi».
Quando se esperava serenidade no governo do país, António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa fizeram o que normalmente se diz juntar a fome com a vontade de comer. Um porque queria o protagonismo e os rodriguinhos que sempre foram o quotidiano do seu percurso pessoal e político, e o outro porque estava farto de não se conseguir ver livre da teia que montou, e que poderia ser um obstáculo perigoso para a sua mais que evidente vontade de se candidatar a Belém.
Esta demissão inesperada deixou os putativos candidatos a primeiro-ministro numa situação e desorientação, pois as contas estavam a ser feitas a um ritmo lento. Sairiam das eleições europeias as lideranças de pesos pesados, embora se saiba que na prática a governação de alguma gente desta tenha mais resultados pesados do que o peso que levavam.
O combate político que se avizinha, que não é bem isso, será consequência de uma luta nos aparelhos partidários e não de propostas concretas num país que não é tão mau como a maioria dos portugueses o pinta, nem tão bom quanto os governantes e responsáveis nos querem fazer crer.
Hoje, como ontem, o Bloco Central de interesses continuará no seu afã de domesticar a democracia depois do Partido Socialista ter esvaziado uma esquerda que talvez lhe venha a fazer falta quando chegar a hora das contas. O PSD, no seu desnorte quotidiano, continua a fazer a figura de um elefante fechado numa loja de louça, vendo uma extrema-direita trauliteira e nalguns casos niilista, repetindo um discurso de moscambilhas com uma histeria que vai de encontro ao que as pessoas querem ouvir, com grande apoio de uma comunicação social ávida de situações de crime de faca e alguidar transportadas para o politiqueiro quotidiano.
Estamos mal, estaremos pior, mas é da vida. Tenho pena que nos 50 do 25 de Abril as coisas estejam assim, mas «pelo sonho é que vamos», como dizia Sebastião da Gama.
Porque estamos numa época festiva, não quero deixar de vos desejar Boas Festas e deixar esta do João César Monteiro em “Uma semana noutra cidade”: «São 10 da noite. Estou a escrever no Monte Carlo, onde só há homens. Precisava de apanhar o Fernando para lhe cravar umas aguardentes. É meu desejo estar completamente grosso por volta da meia-noite e com o espírito propenso à obscenidade. Se arranjasse 100 paus ia às putas. Deve ser fabuloso ir às putas na noite de Natal. Duvido é que haja alguém que esteja para me aturar a bebedeira por 100 paus.
Não estamos em Itália, não há grappa alla ruta, não há comoções nocturnas da Zé, não há nada. Nem sequer o direito ao vómito. Não há nada, mas ainda há vida. Ainda estrebucho, minha senhora. Ainda digo merda e embarco no tudo ou nada do amor. Ainda me jogo inteiro no real e no possível, no confronto entre o que sou e o que podia ser. Ainda simpatizo (ao longe é certo) com as lutas históricas do proletariado de todo o Mundo».
“Felizmente, há luar”
“Estamos mal, estaremos pior, mas é da vida. Tenho pena que nos 50 do 25 de Abril as coisas estejam assim, mas «pelo sonho é que vamos», como dizia Sebastião da Gama.”