Um bando de jovens apocalípticos tem andado por aí a fazer umas tropelias, ora sujando ministros com tinta, ora interrompendo a livre circulação de pessoas. Estes jovens acreditam na proximidade do fim do mundo, e para o evitar, pretendem que este mundo tenha um fim. É gente que julga que para ter futuro não se pode ter presentes. Que para se chegar vivo a 2050, não se pode chegar a mais lado nenhum.
O que distingue esta camaradagem e a sua berraria, é que desta vez as pessoas não lhes chamam maluquinhos. Até o profeta Jeremias foi mais desacreditado do que estes profetas Jeremáximo. Dos vários fins-de-mundo anunciados, alguns, como os crentes na escatologia do ano 1000 ou do fim do calendário Maia, têm sido tratados como assunto de gente com parafusos do sótão mal apertados; outros, como o do livro do Apocalipse ou o nórdico Ragnarök são vistos como interessantes profetismos literários, e mesmo quem os leva realmente a sério não dispara armas de tinta nem impede a descolagem de aviões.
O único apocalipse que foi bem recebido no último século foi precisamente o que marcava o fim do século, o chamado “bug” do ano 2000. Nessa altura, o medo generalizado não era que o planeta acabasse como forma de vida, mas que o modo de vida no planeta acabasse porque a tecnologia toda iria deixar de funcionar. No dia 1 de Janeiro de 2000, quando se percebeu que os computadores não se importaram com a mudança do algarismo dos milhares, o mundo suspirou de alívio.
Hoje, 23 anos depois, os jovens mostram que afinal têm imensa pena que a profecia do ano 2000 não tenha resultado. Por eles, se os computadores pirassem, os elevadores parassem e os aviões despenhassem, o mundo teria ficado melhor.
Por outro lado, os adultos na sala olham embevecidos para estas criaturas saídas do Novo Testamento, que gritam (muito) que as trombetas do apocalipse são as trombas de água do Atlântico e que para evitar as portas abertas do Inferno é preciso não fechar as portas dos aviões. Os responsáveis políticos decidiram acreditar – ou fingir que acreditam – que as alterações climáticas são mesmo a causa do fim próximo do mundo, e por isso aceitam com um sorriso quando lhes esguicham tinta para os olhos.
Enquanto o mundo não acaba, há pessoas que precisam de usar veículos motorizados a combustíveis fósseis para ir trabalhar ou ver a família e outras que preferiam que os outros vivessem em cavernas – já que nem todos teriam a oportunidade de viver em apartamentos climatizados de meio milhão de euros como aqueles onde vivem com os paizinhos.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia