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Fazer o que nos dá na gana

Fazer o que nos dá na gana. Fazer o que se quer sem consideração pelo que nos rodeia, pelos interesses dos outros, pelo bem comum. Talvez nenhuma outra língua tenha uma expressão idiomática com as nuances da nossa, facto interessante quando se sabe que uma expressão só existe quando a prática impele a necessidade de a criar.

Fazer o que dá na gana não é o mesmo que fazer o que gostamos. Há um elemento de energia selvagem naquela expressão.

Com consequências semelhantes às do comportamento dos inimputáveis, fazer o que dá na gana não permite, contudo, por falta de enquadramento oficial, que alguém dê o alerta e previna sobre as possíveis consequências caóticas desse comportamento ou o possa mesmo impedir.

Como qualquer jogo de sorte ou de azar, por vezes, embora raramente, quando se faz o que dá na gana, as coisas calham bem ou, pelo menos, não afectam negativamente o que ou quem nos rodeia. Na grande maioria das vezes, porém, calham mal. É por isso que, ao contrário do que nos fizeram crer, a espontaneidade só pode ser qualidade incondicional na infância, uma altura em que tudo aquilo que as crianças espontaneamente fazem pode ter graça, uma vez que as consequências dos seus actos possuem o tamanho da sua idade e o alcance dos seus braços.

As consequências de fazer o que dá na gana sentem-se nas acções de âmbito mais diverso, a nível de todo o país ou meramente da nossa cidade: nas mortes na estrada, na fuga aos impostos, no atropelo das hierarquias, nas pequenas e grandes vinganças, na descaracterização arquitectónica das cidades, na derrocada das instituições, na inoperância das políticas. Inicia-se ignorando pura e simplesmente a lei ou aproveitando os seus iatos para dubiamente actuar. Consolida-se estendendo pegajosas teias de confiança em redor.

Os seus agentes vão desde os que dizem ter sempre razão e se apresentam como sabendo muito de tudo, até aos chicos espertos, chegando aos vigaristas. Dão-se bem em ambientes onde a tradição ou a experiência são poucas, ou onde existe um campo de actuação novo, sendo eles próprios geralmente, mas nem sempre, pouco experientes naquilo em que empregam a sua esperteza. É o mundo daqueles para quem tudo vale para atingir quer os seus fins quer o capricho do momento.

Daí que, embora o conselho de anciãos fosse a solução ideal para governar as cidades, tenhamos, por enquanto, que nos contentar com a governação providencial levada a cabo pela comunidade europeia. Então que assim seja.

Por: Luísa Queiroz de Campos

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