Leio nas notícias, como antes se dizia, que o concurso Miss Países Baixos, país a que antes chamávamos Holanda, foi vencido por uma concorrente que antes era um homem. Bem sei que escreveu o Camões que «todo o mundo é composto de mudança», mas não me esqueço que na estrofe seguinte o poeta explica que há novidades, sim, mas «diferentes em tudo da esperança». E de mor espanto me assalta esta nova moda que leva pessoas e países a decidirem como é que os outros lhes hão-de chamar.
Bem podem os bielorrussos querer que chamemos Belarus ao infeliz satélite de Moscovo, mas em português, para se ler como os próprios querem, teríamos de escrever Bélarrusse ou Bela-Russe. Logo por azar, pareceria que estávamos a chamar ao país de Lukashenko a “bela rússia”, enquanto no original, “bela” significa “branca” e “rus” não é a Rússia, mas a terra dos (agora) famosos Rus, que por acaso até eram vikings. E os checos não me venham com a Chéquia, que me dá um achaque. Acho que Checa, a República, estava muito bem, até para um monárquico.
Agora que foi um homem (ou um homem que era, ou que tinha sido) a ganhar um concurso de Miss, parece que a turba progressista já não considera esses certames uma degradação e uma exploração do corpo feminino (quer dizer, neste caso talvez não houvesse realmente um corpo feminino para explorar ou degradar). Pelos vistos, no actual estado das mentes despertas (ou “woke”, em estrangeiro), a misoginia é uma coisa que acontece nas Misses quando são as mulheres a vencer. Quando são homens, é inclusão e progresso.
A semana passada, num evento londrino que celebrava diversidades de vária ordem, um matulão, já condenado em tribunal por raptos e agressões, vestido com uma espécie de bata doméstica, autodenominou-se Sarah Jane, subiu ao palco e exortou os manifestantes a agredir violentamente as feministas que por ali andassem. O público exultou e aplaudiu. Que eu tenha memória de outras décadas, julgo que não era progressista dar sovas de criar bicho em feministas.
Imitando a brincadeira preferida do nosso primeiro-ministro, pergunto: sabem quem é também detesta as mulheres que lutam publicamente pelos seus direitos? A malta da extrema-direita. E quem é que, além dos transactivistas, pensa que um rapaz que gosta de brincar com bonecas ou de usar rímel é uma menina? O pessoal da direita radical. E quem, como o rufia de vestido, é que acha que a violência contra as mulheres é uma forma adequada de defender os direitos dos homens (os que se querem vestir de mulher e os outros)? Se calhar, nem o povo do Chega.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia