O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) condenou o Estado a pagar quase 40 mil euros a um homem que esteve em prisão domiciliária nove meses por suspeita de escravidão e tráfico de pessoas, mas que foi absolvido.
O acórdão do TRC, datado de 14 de março e divulgado recentemente pela agência Lusa, concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo indivíduo, revogando a decisão do Tribunal da Guarda que tinha absolvido o Estado do pedido e condenado o queixoso como litigante da má-fé em 10 unidades de conta (1.020 euros). «Tendo o ora recorrente estado privado da liberdade durante 276 dias, período em que esteve sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com recurso a vigilância eletrónica, vindo a ser absolvido no processo-crime, sem que tal absolvição decorra do princípio do in dubio pro reo, tem o mesmo, por isso, a ser indemnizado pelo Estado Português», concluiu o TRC.
O acórdão refere ainda que esta situação afetou a atividade profissional do autor, um produtor de ovelhas típicas da Serra da Estrela, e «deixou sequelas psicológicas que ainda hoje se fazem sentir». Os juízes desembargadores condenaram o Estado a pagar ao queixoso 35 mil euros por danos não patrimoniais e 2.460 euros por danos patrimoniais e ainda no que se vier a liquidar em execução de sentença relativo ao valor que aquele teve de pagar para enfardar a aveia e o centeio que havia semeado antes da sua detenção.
O homem foi detido em 18 de março de 2019, juntamente com o pai, por alegadamente terem obrigado dois indivíduos a trabalhar durante 11 anos seguidos sem nunca lhes terem pago e a viver em condições precárias de alojamento e higiene, tendo ficado sujeito à medida de coação de prisão domiciliária.
Mais tarde, foi pronunciado e julgado pela prática de dois crimes de escravidão, dois crimes de tráfico de pessoas e um crime de abuso de confiança, tendo sido absolvido de todos os crimes por acórdão datado de 19 de dezembro de 2019, data em que foi revogada a medida de coação e restituído à liberdade.
O tribunal deu como provado que as declarações dos assistentes se revelaram, naquele julgamento, «incongruentes, desprovidas de lógica e rigor, não tendo permitido corroborar quaisquer maus-tratos, má alimentação, privação da liberdade, impossibilidade de escolha ou medo». O pai, que foi igualmente absolvido dos crimes de tráfico de pessoas e escravidão, também reclamou uma indemnização num outro processo, tendo o Estado sido condenado a pagar-lhe 27.500 euros pela privação de liberdade e por ter demonstrado que não cometera os ilícitos imputados.