Hoje, 1 de Junho, assinala-se o Dia Mundial da Criança. Estive tentado a usar os verbos “celebrar” ou “comemorar”, mas são palavras que imprimem à frase uma conotação de alegria e festejo. O que, tratando-se de crianças, não há assim tantos motivos para tal.
Neste dia irão com toda a certeza realizar-se uma data de eventos muito giros, mas infelizmente as atenções vão estar todas voltadas para as actividades relacionadas com as crianças.
Não se compreende a necessidade de um dia da Criança. Os dias já são todos delas. Repare-se. Se não viverem perto de uma fábrica da Nike, não têm de trabalhar. São bem tratadas. Toda a gente acha que são giras, o que é bom, excepto se forem amigas do Michael Jackson. Por isso, dão-se ao luxo de fazerem birras intermináveis até conseguirem o que querem. Algumas tomam-lhe o gosto e ficam assim pela vida fora. (Mas deixemos as mulheres e voltemos ao tema de hoje, o Dia Mundial da Criança.) Quem precisa de um Dia Mundial, senão mesmo Universal, são os Adultos Sem Paciência. Há quase vinte anos Miguel Esteves Cardoso tipificou a vida familiar entre os PC’s (Pais Coitados) e as PDC’s (Putas das Criancinhas). Mas esqueceu-se da ala radical, que gosta tanto de criancinhas por perto como os neo-nazis gostam de pretos e judeus. Somos a FN (Fedelhos Não!) da convivência inter-geracional.
Não digo – nem escrevo – que não devem nascer mais criancinhas. Pelo contrário, considero importante a renovação de gerações, nomeadamente da geração de actrizes e modelos pós-adolescentes que pulula no cinema e na televisão. Defendo apenas que devia haver uma espécie de reservas naturais, onde as crianças pudessem crescer à vontade. Isso iria ao encontro dos ideais de certa esquerda rousseauniana saudosista que considera este mundo demasiado perigoso e má influência para as mentes infantis. E com grande probabilidade chegariam à idade em que já são uma presença agradável (digamos, 21 anos) sem um passado negro de terror estalinista conhecido do resto do mundo. Seria uma espécie de Las Vegas da educação e da formação. O que se faz lá, ficaria por lá. Dessa forma, os pequenotes cresceriam num mundo mais feliz e os adultos como eu também.
Os leitores estarão neste momento a perguntar-se se não haverá nem uma criancinha de quem eu goste. Por exemplo, os meus sobrinhos. Sim, eu gosto deles. Nem que seja porque foram feitos pela minha irmã ou pelo meu irmão e nenhum deles faz nada mal feito. Só não tenho muita paciência para eles. Digamos que suportaria melhor vinte e cinco páginas do pior Saramago (passe o pleonasmo) do que cinco minutos a tentar educar os sobrinhos. Agora ainda são demasiados pequenos para discutir comigo a intertextualidade narrativa dos episódios do Noddy ou as representações estigmatizantes da figura feminina nas cantigas da Mónica Sintra.
Claro que se pode argumentar que há dois tipos de crianças.
a) as normais;
b) as embirrentas, mimadas, egoístas, chatas, barulhentas, curiosas, perturbadoras, destrutivas e desequilibradas.
(Afinal só há um tipo, estava a repetir-me.) Se tiver de lidar com seres deste calibre, tenho já um plano de acção delineado. Sento-os em frente da televisão e mostro-lhes o Assalto ao Arranha-Céus, o Hulk e qualquer Missão Impossível. Seguidos e sem intervalos. No fim, explico-lhes que o tio Nuno fica como o Bruce Willis, o Eric Bana e o Tom Cruise juntos quando alguém o chateia um bocadinho. Aposto que nenhum deles vai ter coragem sequer de pedir um copo de água, mesmo que esteja em estado último de desidratação.
Por: Nuno Amaral Jerónimo