Arquivo

Pedagogia autárquica

Menos que Zero

Num encontro de Bibliotecas Escolares, o presidente da Câmara da Covilhã defendeu que o Governo devia transferir para as autarquias todas as competências relacionadas com o 1º ciclo do Ensino Básico. Ou seja, Carlos Pinto quer as autarquias na gestão pedagógica das antigas Escolas Primárias.

Quando li esta notícia, recordei imediatamente o dia em que o presidente da Câmara da Covilhã – enquanto representante de uma entidade empregadora – se apresentou perante uma Comissão Internacional de Avaliação para dizer que os alunos de jornalismo da UBI tinham uma deficiente formação no campo deontológico. Na ocasião, supus que Carlos Pinto seria um leitor compulsivo de obras relacionadas com a Ética e Deontologia no jornalismo e, para além disso, um observador atento do percurso profissional seguido pelos jornalistas licenciados na UBI. Porém, lembrei-me que nenhum outro entrevistado – alguns dos quais em representação de grandes empresas de comunicação – referiu tal deficiência formativa. E também me veio à memória o conturbado relacionamento de Carlos Pinto com alguns jornalistas da RCC, pelo que desde logo afastei a hipótese do autarca fundamentar a sua opinião em qualquer relatório oficial ou obras de referência na área do jornalismo.

Embora o caso relatado diga respeito a outro grau de ensino, regista-se uma notória discrepância entre a posição do presidente da Câmara e a opinião de profissionais e investigadores da área do jornalismo, pelo que é possível imaginar os potenciais conflitos num quadro legal que permitisse às autarquias algum tipo de intervenção no campo da pedagogia.

Se pensarmos que o alargamento das competências autárquicas poderia incluir a contratação de professores, então a situação piora de forma dramática. Basta analisar a forma como são contratados técnicos e administradores para empresas municipais e rapidamente ficamos com uma imagem daquilo que seria a contratação de professores para o 1º Ciclo.

Para terminar, façamos um exercício: imaginemos que a proposta de Carlos Pinto era aprovada e as autarquias passavam a ter a gestão pedagógica das escolas. Já agora, juntemos-lhe a proposta do Governo para que os pais participem na avaliação dos professores. O cenário é aterrador: semanas antes de eleições autárquicas, um grupo de pais desloca-se à Câmara para se queixar de um determinado professor. Não é difícil imaginar o autarca, acompanhado pelos pais, a entrar pela escola dentro exigindo satisfações ao professor. No limite, até podemos adivinhar ameaças de despedimento. Ficção? Certamente, mas num país onde se oferecem electrodomésticos em campanhas autárquicas e onde há nomeados – como chefes de gabinete e administradores juniores – a ganharem mais de 2 mil euros por mês, tudo é possível.

Sobre o autor

Leave a Reply