A implantação do centro comercial “Guarda Mall” na Quinta de Pelames, onde actualmente funciona o Mercado Municipal e a Central de Camionagem, é susceptível de várias questões. Por se tratar de um projecto a desenvolver em parceria (empresarial, nomeadamente) entre a empresa promotora a Dabih – Compra e Venda de Imóveis para Revenda, S.A. e a Câmara da Guarda tem de ser devidamente explicitado. Por não se tratar de um investimento privado “normal” não pode deixar dúvidas no cidadão. Porque os terrenos são públicos (e passarão a ser propriedade privada), toda a intervenção tem de ser devidamente justificada. Porque a autarquia vai ser accionista da empresa investidora, é matéria do interesse público e não é admissível qualquer atropelo à lei. A Agenda Local XXI sugere a maior abertura e discussão pública de processos desta natureza. Nesta edição, em colaboração com a Rádio Altitude, procurámos observar o projecto à luz do PDM.
Zona de Equipamento
A zona do Mercado Municipal e da Central de Camionagem está definida em PDM como zona de «equipamentos públicos existentes». Neste contexto, temos que «as áreas de equipamento ou reserva de equipamento públicos ou privados e os espaços livres públicos referidos nas cartas de ordenamento não poderão ter destino diverso do definido no presente Plano» (Artº 13º, Capítulo II, do PDM da Guarda). Se no PDM está claro que aquela zona é de equipamento, o artigo atrás referido não permite qualquer outra utilização do espaço. Assim, a primeira questão que qualquer curioso terá de colocar é se existe ou não violação do PDM no projecto que a Dabih apresenta.
Na Assembleia Municipal de 22 de Fevereiro, o presidente da Câmara da Guarda, Joaquim Valente, explicou que «equipamento já é e vai continuar a ser», considerando assim que não há qualquer alteração ao uso previsto em PDM. O autarca acrescentou ainda que «comércio já é e vai continuar a ser, e habitação já é e vai continuar a ser». Ora, é aqui que a interpretação ao Plano não é consensual. Segundo um técnico contactado por “O Interior”, e que pediu anonimato, o PDM «não prevê comércio naquela zona e muito menos habitação, que não tem». Para este técnico, o que há são «lojas que complementam um serviço público», no caso da Central de Camionagem, e «comércios que são residuais e acessórios», no caso do Mercado Municipal. Por isso, «o PDM não diz que aquela é uma zona de equipamento e comércio, mas apenas de equipamento», acrescenta. Ainda assim, o facto de ali funcionarem o mercado – que o Plano Director considera de “equipamento” – e algumas lojas confere ao espaço alguma vocação comercial. Talvez por isso, Manuel Rodrigues, deputado municipal eleito pelo PSD, ao contestar alguns aspectos do projecto optou por não falar de uma eventual violação do PDM.
Mas se a actividade comercial em zona definida como de equipamento poderá não ser considerada como violação do PDM, que dizer da habitação?
Conjunto habitacional
O projecto apresentado pela Dabih prevê a implantação de um edifício de seis andares na parte superior do empreendimento. Ou seja, próximo do Largo Monsenhor Alves Brás. O bloco habitacional deverá ter uma área bruta de 7.800 metros quadrados. De acordo com o processo que consultámos em Coimbra, na Direcção Geral de Economia do Centro (DGE), durante o período de consulta pública, o edifício deverá ter seis pisos de habitação.
A ser assim, e porque em PDM esta é uma zona de equipamento, perfila-se de novo a possibilidade de estarmos perante uma violação ao Plano Director, pois a sua utilização será diversa do regulamentado. Acresce que o bloco habitacional, para lá da questão da classificação dos terrenos, deverá ter uma cércea superior à prevista no PDM. Os blocos existentes no Largo Monsenhor Alves Brás – com um piso comercial e três de habitação – têm uma cércea aproximada de 12 metros. O empreendimento “Guarda Mall”, no caso de poder incluir habitação, poderá ter uma cércea acima dos 20 metros (o próprio centro comercial terá três pisos comerciais acima do solo e o bloco habitacional irá nascer sobre os pisos de comércio). Desta forma, configura-se aparentemente mais uma irregularidade. O Artº 9º do PDM diz que «as características das edificações a licenciar na colmatação da malha urbana ficam limitadas pela referência aos edifícios vizinhos e envolventes na testada de 100 metros para cada lado do lote a edificar no arruamento que o serve, devendo sempre atender ao alinhamento das fachadas e à cércea dominante do conjunto assim determinado». Ou seja, a testada a considerar tem de estar do mesmo lado da rua, logo, de acordo com a cércea dos edifícios já ali construídos. No mesmo artigo pode ainda ler-se que «não constitui precedente a invocar a eventual existência de edifício(s) que exceda(m) a altura dominante do mesmo conjunto». Pelo que se depreende que, ou bem a cércea é inferior ao conjunto já construído ou, então, irá contra o PDM.
A Clínica
Outro problema do projecto “Guarda Mall” diz respeito à inclusão de uma clínica com 940 metros quadrados. Desconhecendo-se as características previstas para esta unidade de saúde, ficam as dúvidas sobre a sua classificação que, também, deverá ser diversa do uso registado em PDM. Assim, e salvo melhor opinião, não pode ser considerada como “equipamento”. Além de que, no processo consultado na DGE, não se faz luz sobre as regras de segurança de uma clínica – que deverá ter instalados equipamentos cujo isolamento e impermeabilização têm de ser elevados.
Quanto ao estacionamento, de acordo com o processo consultado, o empreendimento prevê 860 lugares de estacionamento (no subsolo), mais 22 para pesados (cargas e descargas). Quando o projecto foi apresentado foi dito que teria mais de mil lugares. Entretanto, o empreendimento, além do centro comercial, inclui habitação e clínica. Se, de facto, em análise posterior, se vier a concluir que o empreendimento configura alguma violação ao PDM a autarquia poderá suspender, momentaneamente, ou alterar o Plano Director.
A Quinta de Pelames tem dois artigos matriciais: o Mercado Municipal e o Centro Coordenador de Transportes. Inscritos nas matrizes prediais urbanas, a favor da Câmara Municipal, com os números 2604 e 2613 (freguesia da Sé). Estranhamente não estão descritos na Conservatória do Registo Predial.
Nasce a sociedade “Guarda Mall”
Apesar de todo o processo ser conduzido pela Dabih, está neste momento a ser juridicamente criada a sociedade “Guarda Mall”. Com sede na Guarda, como prometera Joaquim Valente, a empresa está em fase de registo na Conservatória da cidade. Esta é mais uma situação surpreendente em todo o processo. Há uma semana supunha-se que seria a própria Dabih, com sede em Lisboa, que desenvolveria todo o projecto do centro comercial. Agora, e com uma rapidez vertiginosa, nasce a empresa “Guarda Mall”, que deverá ter 50 mil euros de capital social e onde a autarquia irá deter dez por cento. Assim, cumpre-se com a promessa de sedear a entidade promotora na Guarda.
Luís Baptista-Martins