Por formação política e filosófica suspeito das tentativas de controlo por parte do Estado. Também porque receio que descubram que só comecei a pagar impostos quando comecei a trabalhar ou que só tirei o Bilhete de Identidade quando precisei dele. Não sou um cidadão exemplar da República. Para começar, nem sequer sou republicano. Além disso, nem sempre voto, deixo ultrapassar prazos, tenho um carro poluente, gosto de dormir a manhã toda e não suporto o Noddy.
O Noddy é um boneco aprumado que cumpre todos os deveres e faz sempre a coisa mais correcta, inclusivamente renovar o Bilhete de Identidade muito antes de caducar. No meu caso, esta é a semana em que o meu documento de identificação expira e eu ainda não mexi uma perna para tratar da sua revalidação. Já mexi um olho, quando olhei para ele e verifiquei que o prazo de validade da minha identidade estava a chegar ao fim.
Não entendo a necessidade de um “bilhete de identidade”. Há países que não têm. A minha identidade não está naquele cartão, mesmo que seja do tamanho de um edredão para camas de casal. A minha desobediência civil reside no facto de eu nunca transportar comigo esse odiado objecto. “Tem identificação?” “Tenho, mas não uso.” Para o meu BI ser completo, deveria constar o clube por que sofro, as mulheres que já amei (as mulheres que nunca me amaram não é preciso, basta percorrer a lista telefónica), o número de calças que visto, o meu vício por gelados e os nomes todos que me chamam, por ordem alfabética.
Descubro agora que o governo pretende juntar num documento só todos os cartões que nós tínhamos. Se já me chateava que cada ministério pudesse saber coisas sobre mim, agora assusta-me que haja um arquivo central onde um gajo das Finanças possa saber quantas vezes fui operado à vesícula. É o tipo de informação que eu prefiro que não circule pelos esconsos gabinetes da nossa governação.
José Sócrates decidiu instituir o Cartão Único. Desaparece o BI, o CC, o CS e o DS (o Diabo a Sete) para integrarmos tudo num simples CU. Quando tal documento aparecer, o governo vai enfiar a nossa vida toda no CU, para simplificar processos administrativos e poupar trabalho ao cidadão. As funcionárias públicas ou os agentes policiais vão pedir-nos de forma simples o CU, que, segundo li, pode ser renovado ou alterado pela internet. Mas eu desconfio sempre do voluntarismo de cidadania dos governos, muito mais quando querem condensar toda a informação acerca de cada indivíduo num único cartão. Julgo que devemos levantar a nossa voz contra este arremedo totalitário. Uma pessoa não é apenas o seu CU.
EU VI UM ORNITORRINCO
Paula Bobone
Esta divertidíssima amestradora de figuras do jet-set nacional afirmou que o guarda-roupa de Cavaco Silva não era XPTO, introduzindo assim uma expressão novel na política portuguesa. Sonho com o dia em que Marques Mendes diga no Parlamento “o senhor primeiro-ministro julga que nos engana, mas o povo português exige que o governo apresente soluções XPTO”. Ou com a noite em que Francisco Louçã, num brado contra o capitalismo, peça “um socialismo XPTO”. Ou mesmo com a madrugada em que Keira Knightley, deitada no meu ombro, suspire “Tu foste mesmo XPTO”. (Isto tem pouco a ver com política, mas os sonhos são tergiversantes…)
Por: Nuno Amaral Jerónimo