Desresponsabilização

Escrito por Diogo Cabrita

“A gestão da desresponsabilização custa muito mais dinheiro e é ineficiente, mas veste-se de segurança e acarreta padrões de verificação e repetição que pertencem às novas escolas de comando e gestão.”

A gestão da desresponsabilização custa muito mais dinheiro e é ineficiente, mas veste-se de segurança e acarreta padrões de verificação e repetição que pertencem às novas escolas de comando e gestão. O idoso que cai da própria altura ou da cama, ou da cadeira, num lar ou em casa e se mantém absolutamente igual ao que sempre foi, clinicamente sem sinais meníngeos, sem vómitos, sem alterações do comportamento, sem perda de atividades de vida diária, o que é melhor reconhecido pelos seus cuidadores, obviamente não está gravemente doente pela queda. E se? A desresponsabilização acarreta-o para os hospitais onde há resposta neurológica e repetem o mesmo gesto que tiveram em todas as quedas prévias – exames, vigilância, novos exames e regresso ao domicílio onde a falta de pessoal, a dificuldade com ajudas técnicas, a inadequação do mobiliário e das casas de banho, a teimosia em tapetes, chinelos inadequados e outras cascas de banana conduzem a nova queda.
E se? Lá vem de INEM e roda pelo mesmo conjunto de ineficiências protocoladas que retiram responsabilidade ao cuidador, ao profissional de saúde e à família. E se? Ninguém quer responsabilidades porque a justiça está aí para distribuir arguidos com fartura e depois construir processos infindos que percorrem a primeira, a segunda, a terceira e as seguintes instâncias com as respetivas testemunhas e completa depressão do sistema. O idoso muitas vezes está excessivamente medicado, pode estar demenciado, pode estar em fim de vida, o que é ótimo porque a percorreu inteira. A não-aceitação do fim pelas famílias, o encarniçamento terapêutico de clínicos, a falta de coragem na decisão colegial do que é para investir e não é, o medo das explosões das redes sociais onde a praia se enche de emotivos vómitos sem qualquer racionalidade, de eus enormes que se tornam pedidos de construção de matilha, de narcisismos geradores de fatores de emancipação (Eri Marty, “Le sexe des modernes”, 2021), de gritos de ajuda disfarçados de direitos, tudo isso leva a uma completa demência das unidades de saúde onde hoje 15% (números meus por defeito) dos atendimentos são “queda de idoso”.
Repete-se um conjunto de coisas que não vai à fonte – aos lugares onde se cai, à razão porque se cai, ao formulário das boas práticas para não cair. Idosos teimosos que não querem a bengala, idosos com demasiadas escadas no caminho, casas de banho com degraus, roupa desajustada, sapatos inadequados, medicação obnubilante para travar a língua e os ímpetos futebolísticos. As causas são muitas e não podem ser “deitar, sentar”, ver TV. O teu idoso não é um cão! O teu idoso deve viver, conviver, passear, aborrecer, contrariar. Cansa? E se? Pois é! Difícil é cuidar de pessoas porque elas quase nunca abanam o rabo! Nasce aqui outra crónica – e como subsiste o cuidador e como se pagam os apoios?

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Diogo Cabrita

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