A pobreza é uma doença contagiosa. Imaginem uma cidade, ou uma vila, que tem apenas uma fábrica, onde está empregado o grosso da sua força de trabalho. Imaginem ainda que aí se ganha mal, pouco mais do que o salário mínimo. Consequências? Muitas. O futuro desta cidade está comprometido. Os baixos salários significam pouco poder de compra e baixa recolecção de impostos. É difícil obter junto dos bancos empréstimos para a aquisição de habitação própria e a que se constrói, por isso, tem baixa qualidade. Os empreiteiros adaptam-se ao seu mercado e constroem por isso pouco, feio e mal.
Não há espaço, nem mercado, nessa cidade, para bons restaurantes, ou para livrarias, ou para um comércio que ofereça melhor do que a mediocridade cansativa das grandes superfícies. Nem para mais do que uma sala de cinema – na maior parte dos dias às moscas.
Pouco a pouco a cidade torna-se feia, com maus prédios de apartamentos a surgir por todos os lados. O turismo passa a ser uma ilusão: a cidade tem cada vez menos para oferecer ao estranho e, ao fim-de-semana, desertifica-se. Quem pode vai ao cinema, ou às compras, ou passear, às cidades vizinhas, mais prósperas e mais dinâmicas. Quem não pode fica em casa a ver televisão e a tiritar de frio, que é Inverno, e a casa, cheia de humidades, é uma fraca barreira às intempéries.
As pessoas habituaram-se, entretanto, aos empregos de baixa qualificação e baixos salários. Não investiram em formação profissional e, se perderem o emprego, não saberão fazer mais nada do que aquilo que fazem agora. Não estão preparadas, no fundo, para aquilo que é há muito tempo inevitável.
Nas escolas os alunos têm notas baixas. Não há livros em casa e os pais, muitos deles pouco mais que analfabetos, de pouco lhes podem servir. As escolas são más, que ninguém aí quer ficar colocado por muito tempo. Todos os anos desaparece boa parte do corpo docente, a caminho de mais risonhas paragens, e em seu lugar aparecem outros, com intenções de ficar pouco tempo. E todos os anos diminui o número de alunos, mais ainda do que tem diminuído a população em geral.
Mas se aquela fábrica fechar, ou ameaçar fechar, vai falar-se em tragédia, na morte da cidade. É como se as pessoas tivessem desistido de uma vida melhor, como se estivessem definitivamente resignadas à pobreza.
Há em Portugal muitas, demasiadas, cidades e vilas assim. E há em Portugal demasiados maus empregos a que se dá demasiada importância.
Sugestões:
Um livro: As Receitas Escolhidas, de Maria de Lourdes Modesto (Verbo Editora). Há muitos cozinheiros em Portugal que precisam ler este livro. Talvez assim aprendessem a fritar um bife, ou a estrelar um ovo.
Outro livro: Mengele, de Gerald Posner e John Ware (A Esfera dos Livros). Josef Mengele era médico em Auschwitz. Em benefício da ciência, segundo ele, fazia experiências médicas nos prisioneiros do campo. Experiências como: “quanto tempo pode um bebé sobreviver sem comida?”. É verdade, já me esquecia, segundo diz o actual presidente do Irão, o Holocausto nunca existiu.
Um filme: C´Était un Rendez-Vous. O filme maldito de Claude Lelouch. Diz a lenda que, numa madrugada de Agosto de 1978, Lelouch conduziu pelas ruas de Paris, a alta velocidade, um Ferrari 275 GTB. O filme tem menos de dez minutos e está disponível (se ainda forem a tempo) em: http://video.google.com/videoplay?docid=2851488008488190547&q=lelouch
Por: António Ferreira