O fenómeno Manuel Alegre continua a fazer manchetes e, sinceramente, não percebo por quê. “Um milhão de votos”, responderão alguns. Pois é, mas isso não explica nada.
Tal como escrevi a semana passada, a votação de Alegre é o resultado de uma circunstância política: ao voto contra as políticas governamentais somou-se o voto contra o candidato Soares e, claro, o voto daqueles que viram na candidatura de Alegre “uma consciência cívica da cidadania portuguesa”, como referem alguns apoiantes.
Esta semana, a estrutura de apoio à candidatura de Manuel Alegre decidiu avançar para a criação de um “movimento aberto, plural e transversal de cidadãos”. Talvez o fenómeno se transforme num verdadeiro movimento cívico, mas neste momento não pode ser considerado como tal. Por mais voltas que se dê à questão, a candidatura de Alegre não nasce da sociedade civil, mas da vontade individual de um homem preterido pelo seu partido de sempre, coisa que não é nada original. Basta relembrar as eleições autárquicas para encontramos listas independentes encabeçadas por militantes em litígio com os seus partidos e, por acaso, alguns até venceram com maiorias absolutas.
Construir um movimento em torno de uma personalidade implica a existência de um pensamento político original, o que não se verifica neste caso. O pensamento de Alegre confunde-se com a ideologia do Partido Socialista. A história de Manuel Alegre é igual à história dos mais destacados militantes socialistas. A única originalidade introduzida pelo candidato é o combate às lógicas partidárias, mas esta ideia não é mais do que a materialização de um sentimento que tem vindo a crescer entre os cidadãos, conferindo até um toque populista ao movimento.
É impossível fundamentar um movimento de cidadania de dimensão nacional numa medida de natureza pragmática como esta, pois tornar-se-ia um movimento com fim anunciado. E ainda que se aceite esta ideia, o facto do movimento ser inspirado em alguém que se confunde com o seu próprio partido é uma absoluta contradição.
Criticar as opções do próprio partido, exigir liberdade de pensamento ou entregar o cartão de militante não é suficiente para que alguém se torne independente. É preciso deixar que o tempo separe claramente as ideias dos ideais, que o impulso momentâneo dê lugar à estratégia.
No fundo, entrar num partido é como casar. A separação é uma possibilidade, mas por mais livres que as pessoas se tornem, o seu estado civil nunca voltará a ser “solteiro”. Na prática, cada um pode voltar a casar-se, mas transportará para essa nova relação uma história de impossibilidade resumida numa palavra inscrita no BI: divorciado.
Acredito nos movimentos de cidadania. Acho mesmo que poderão ser a última oportunidade para um municipalismo desfigurado pelas lógicas partidárias. Mas um movimento desta natureza não pode ter na sua génese um conflito partidário, porque isso torná-lo-ia num movimento contra os partidos, quando deve ser uma alternativa aos partidos.
Por: João Canavilhas