«Se um cidadão português pisasse a bandeira portuguesa, que castigo lhe daria se fosse Presidente da República?». A pergunta apanhou de chofre Mário Soares à entrada da Câmara da Guarda, na passada quarta-feira, mas o candidato socialista logo respondeu que isso «é um crime». Então a mulher, de idade avançada, atirou, sem medo: «Mas o sr. doutor Mário Soares pisou-a em Espanha! Não se recorda, eu recordo-me, vi-o na televisão…». O embaraço foi notório, a tal ponto que o ex-Presidente da República pediu que a senhora se identificasse para a levar a tribunal.
Ouviu-se um «Ana Maria Conceição» e foi um Mário Soares exasperado que entrou no edifício dos Paços do Concelho: «Isto é uma pouca vergonha! Ela diz que viu em Espanha, quando os gajos que inventaram isto dizem que era em Londres». Assim começou a passagem do candidato pela Guarda, após uma recepção entusiasmada em Seia e Gouveia. Por cá, os tempos dos banhos de multidão já lá vão e não fossem os funcionários da autarquia e a recepção teria sido um fiasco monumental. O conforto só chegou na sala da Assembleia Municipal, onde Joaquim Valente considerou Mário Soares «um homem dos afectos da Guarda». Os motivos não faltam. O seu pai foi Governador Civil do distrito, aqui promoveu a segunda Presidência Aberta, em 1988. «Mas o problema da interioridade ainda hoje nos aflige», disse o autarca, antes de lembrar que foi o ex-Presidente da República quem inaugurou, em1993, o actual edifício da Câmara. «Esta assiduidade é sinal de que gosta da Guarda», concluiu. O candidato anuiu e evocou João Gomes, Carvalho Santos e «o meu amigo» Abílio Curto. «Está numa situação difícil da sua vida», referiu, admitindo que «as pessoas podem cometer erros, mas têm direito à sua reabilitação». Estava arrumado o caso da escolha do antigo autarca para a sua Comissão de Honra distrital.
Mário Soares seguiu depois a pé até à sede de candidatura, na Rua do Comércio. Um percurso em que teve alguns diálogos com apoiantes. Um “soarista” mais exaltado gritou «Vamos comê-los todos», mas o candidato moderou o seu apoiante: «Nós não comemos ninguém. Na Guarda, só comemos o bom queijo da serra», ironizou. Já na sede, Mário Soares apelou aos portugueses para que, antes de votarem no domingo, se lembrem «do que foi e de tudo aquilo que representou o cavaquismo». É que, segundo o ex-Presidente, a eleição de Cavaco Silva não será mais do que a «transposição do cavaquismo para a Presidência da República». O mesmo pensa o constitucionalista Gomes Canotilho, para quem o candidato tem «por excelência» o perfil de um PR. «Mário Soares tem as características ideais, como a honradez, a honestidade e a competência, mas também tem características que nenhum outro candidato presidencial tem. É o mais experiente, o mais equilibrado, o mais dialogante, o mais conhecido no mundo, o mais transparente, o mais patriota, o mais europeu, o mais global, mas também o mais perspicaz e o que mais intuição política tem», disse. Por sua vez, Rogério Nabais alertou para a «tentação» de Cavaco Silva ser «de novo primeiro-ministro a partir de Belém». O mandatário distrital sublinhou haver já um Governo legítimo em Portugal: «O país não pode ter dois galos no mesmo poleiro, senão a guerra instala-se na capoeira», prenunciou.
Luis Martins