O Tribunal da Guarda iniciou na terça-feira o julgamento do caso das parcerias público-privadas que envolve a empresa MRG, as autarquias de Gouveia, Trancoso e Alcobaça, bem como uma consultora.
Os arguidos são Júlio Sarmento, ex-autarca de Trancoso; Álvaro Amaro, eurodeputado e antigo autarca de Gouveia; Luís Tadeu, então vice-presidente do município gouveense à data dos factos e atual edil do município serrano; o empresário Fernando Gouveia e a sua empresa, a MRG; mas também o atual vice-presidente da Câmara de Alcobaça, Hermínio Rodrigues; o deputado municipal Eduardo Nogueira, chefe de gabinete do então autarca daquela cidade, José Sapinho (já falecido); Josefina Torres, empresária e sogra de Júlio Sarmento; e o consultor Marco Carreiro. Todos são suspeitos de participar num esquema de parcerias público-privadas (PPP) com a construtora que, alegadamente, lesou as contas dos municípios de Trancoso, Alcobaça e Gouveia, entre 2007 e 2011.
Na primeira sessão, apenas Luís Tadeu, atual presidente da Câmara de Gouveia, falou perante o coletivo de juízes, presidido por Carlos Marques, para dizer que a PPP «acabou por não ter desenvolvimento porque não se obteve o dinheiro necessário para que fosse executada». O autarca acrescentou também que «a preocupação» foi «sempre acautelar o património do município». Fernando Gouveia, Hermínio Rodrigues e Marco Carreiro faltaram à primeira sessão devido a doença. Os restantes arguidos compareceram mas não prestaram declarações. O Ministério Público (MP) deduziu acusação contra os nove arguidos pelos crimes de corrupção, prevaricação de titular de cargo político, branqueamento de capitais e participação económica em negócio, num esquema de PPP.
Segundo o MP, a empresa de construção civil MRG, de Seia, decidiu apostar nas PPP com autarquias, tendo o apoio de uma outra empresa com larga experiência neste modelo de negócios. De acordo com a acusação, as duas empresas, «de forma concertada», propunham uma solução “chave na mão” aos municípios, construindo as obras desejadas por estes através de uma empresa veículo (composta por capitais mistos públicos e privados), recebendo depois dos municípios uma renda mensal pelo uso dos equipamentos construídos. Para tal, a construtora definiria procedimentos de concursos públicos e os projetos de deliberação dos municípios, beneficiando ainda de «informação privilegiada» relativamente aos procedimentos concursais, que seriam desenhados «a pensar nas próprias características da empresa».
Por estes factos, Júlio Sarmento é acusado de prevaricação, participação económica, corrupção passiva e branqueamento, enquanto Álvaro Amaro e Luís Tadeu são acusados de um crime de prevaricação. Já Fernando Gouveia, fundador da MRG, é acusado de quatro crimes de prevaricação de titular de cargo político, dois crimes de participação económica em negócio, um crime de corrupção ativa e um crime de branqueamento. O MP acusa ainda Hermínio Rodrigues de prevaricação e participação económica. Sobre o ex-autarca de Trancoso incide ainda a suspeita de ter recebido «vantagens indevidas no valor de cerca de 560 mil euros, dissimuladas através de familiares», daí a inclusão de Josefina Torres no rol de arguidos por suspeita de branqueamento. Caso sejam condenados, o MP pede a perda de mandato do eurodeputado Álvaro Amaro e do seu sucessor no município de Gouveia, também presidente da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. A justiça quer ainda que fiquem impedidos de participar em atos eleitorais, uma medida também requerida para Júlio Sarmento, que presidiu ao município de Trancoso durante mais de 25 anos.
Como surgiram as PPP do grupo MRG
Em causa está um alegado esquema delineado pela MRG para que as autarquias pudessem realizar avultados investimentos públicos que não contariam para o seu endividamento. A solução passava pela criação de parcerias público-privadas a concretizar através de uma sociedade veículo, em que a empresa de construção civil passava a ser sócia dos municípios para realizar os investimentos pretendidos. Foi assim que surgiu a PACETEG, em Trancoso, e a Gouveianova, na “cidade-jardim.
Contudo, a única que teve efeitos práticos foi a primeira e está a custar ao erário municipal 900 mil euros anuais até 2034. Para escapar aos limites de endividamento das autarquias e ao visto do Tribunal de Contas, eram estas entidades que pediam o financiamento bancário necessário às obras acordadas. «Uma vez construída a obra, a sua exploração e manutenção ficava a cargo do parceiro público (município/ empresa municipal) que pagaria uma renda anual por um período alargado de tempo, suficiente para a amortização» do empréstimo bancário entretanto solicitado, refere a acusação. Só depois da sua liquidação é que os equipamentos passariam para o património municipal.
PPP está a custar 900 mil euros por ano à Câmara de Trancoso
Em 2007, a empresa municipal Trancoso Eventos celebrou com a MRG uma PPP no âmbito da qual foi criada a sociedade PACETEG, onde a construtora detinha 51 por cento do capital social e empresa municipal os restantes 49 por cento.
O procedimento visava a construção de seis equipamentos, dos quais apenas a central de camionagem da “cidade de Bandarra”, o Centro Cultural de Vila Franca das Naves e a requalificação do campo da feira viram a luz do dia. Na altura, a Trancoso Eventos, presidida por Santos Costa, abriu um concurso público internacional para escolher o parceiro, tendo a opção recaído sobre a MRG. Na altura, o município acabou por assumir as empreitadas do centro de interpretação judaica e parte do futuro mercado municipal. O certo é que esta PPP revelou-se um negócio ruinoso para a autarquia, presidida desde 2013 pelo socialista Amílcar Salvador, que levou o caso à justiça e promoveu a dissolução da PACETEG. De acordo com a acusação, a PPP terá rendido à MRG uma margem de lucro de 92,5 por cento, cerca de 3,6 milhões de euros, enquanto a Câmara tem desde 2010 um encargo anual com rendas de 900 mil euros, a pagar até 2034. Sobre si recaiu também o empréstimo bancário contraído pela PACETEG após a dissolução da empresa municipal Trancoso Eventos.
Júlio Sarmento já veio dizer que não teve «intervenção direta» no caso porque a empresa municipal tinha «autonomia jurídica e financeira», além disso «houve um concurso público». O ex-autarca é ainda acusado de ter recebido contrapartidas da MRG no valor de 560 mil euros, alegadamente pagos por duas vezes. A primeira, um cheque de 110 mil euros, foi efetuada através da empresa Alto dos Frades, que é dona do Hotel Turismo de Trancoso e da qual são sócias a esposa e a sogra de Júlio Sarmento. A segunda, de 450 mil euros, terá acontecido por via da Torres & Filhos II, que também tem como sócias a mulher e sogra do antigo edil trancosense, que nega ter recebido os valores em causa e que os mesmos resultaram de «negócios» destas sociedades com a MRG.
A Câmara de Trancoso constituiu-se assistente neste processo judicial e pede uma indemnização a Júlio Sarmento pelo prejuízo que teve na construção de três obras. «O município quer ser ressarcido da diferença entre o valor que resultou da auditoria às obras construídas nesta PPP e aquele que foi pago ao construtor, no valor de 9 milhões de euros», disse o advogado Paulo Matias, que presta assessoria jurídica à autarquia.
MRG colocou Gouveianova em tribunal
Em 2012, a Câmara de Gouveia esclareceu que a PPP celebrada com a MRG destinava-se à conceção, requalificação, conservação e comercialização do mercado municipal e zona adjacente, zona dos Bellinos, bem como à infraestruturação da zona industrial das Amarantes. Mas os projetos não foram concretizados porque a Gouveianova, criada na ocasião e então presidida por Luís Tadeu, não obteve os 9 milhões de euros necessários.
A parceria foi assim interrompida e caso está pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco com a MRG a reclamar o pagamento de 900 mil euros à Gouveianova por projetos e serviços prestados. Posteriormente, o município decidiu recorrer a fundos comunitários para infraestruturar a zona industrial das Amarantes. E o mesmo aconteceu com a requalificação dos Bellinos, que foi intervencionada com o apoio do Programa Operacional do Centro.
Parceria cancelada em 2011 no Sabugal
No Sabugal, os investigadores foram saber como surgiu o projeto do Côa Camping e por que não foi concretizado. A PPP com a MRG chegou a ser criada para o efeito e a respetiva deliberação da Câmara foi aprovada pela Assembleia Municipal em 2008.
Foi a empresa municipal Sabugal+ que selecionou o parceiro privado através de um concurso para construir um parque de campismo num terreno junto à estrada da Sra. da Graça. Em 2012, António Robalo, já presidente do município, disse a O INTERIOR que o procedimento teve dois candidatos, tendo a o júri escolhido a MRG. O autarca social-democrata também esclareceu que o assunto é da «inteira responsabilidade da Sabugal +», mas que o projeto «nunca passou de intenção, uma vez que o contrato de acionistas da parceria nunca foi assinado devido à falta de financiamento público para o empreendimento e aos custos do parque de campismo pretendido». Estes problemas terão levado a MRG a desistir da parceria e, em julho de 2011, o executivo acabou por deliberou, por proposta do presidente, cancelar «definitivamente» a parceria público-privada pelas mesmas razões.