Há umas semanas atrás, um amigo ofereceu-me um filme intitulado As invasões bárbaras de Denys Arcand. Quando mo entregou disse “há muito tempo que não via um filme tão bom…mas é em francês (ele conhece-me bem e sabe que não sou grande apreciadora da língua franca), contudo – concluiu – no final, vais perceber que não poderia ser noutra língua”.
Uns dias depois, numa daquelas tardes domingueiras que nos apetece ficar no aconchego do lar a ler um livro ou a ver um filme, dei por mim a olhar para aquele DVD gravado, isento de qualquer tipo de vida. Não havia uma imagem, uma sinopse e, além de ser em francês, o filme tinha ainda um título nada sugestivo, mas, se o meu amigo mo tinha gravado e oferecido, tinha que haver alguma razão e, fosse ela qual fosse, eu tinha que saber de que se tratava.
A história do filme, aparentemente vulgar, relata os últimos dias de vida de Rémy, personagem principal, num hospital lotado do Quebec, retrata o drama pessoal e familiar do professor de história, do pai e do marido, do (des) encontro com a família e com o passado.
Rémy, conquistador incansável que se perdera durante toda a sua vida de amores pelas mulheres, é acusado pelo próprio filho de ter destruído a vida da sua mãe e a infância e adolescência dele e da sua irmã. Contrapondo-se ao pai, típico intelectual idealista dos anos 60, Stéphane é o noivo fiel, pragmático, é o tipo do especulador financeiro que fez fortuna e que simboliza o capitalismo triunfante e sem fronteiras. Contudo, este filme é muito mais que o confronto de ideologias, é também uma denúncia social e, é essencialmente através de Stéphane, que numa corrida contra o tempo faz de tudo para que o seu pai tenha um final digno, que presenciamos essa denúncia social. Suborna o sindicato e a direcção do hospital para melhorar a sua estadia, consegue a conivência da polícia para comprar heroína de modo a aliviar o sofrimento de seu pai e paga a visita de alguns alunos que ignoraram e gozaram Rémy na sua despedida da universidade por motivos de saúde.
Com efeito é Stéphane, que convoca os antigos amigos do seu pai, professores e antigas amantes, e são estes que vão possibilitar a Rémy os últimos momentos de partilha e de encontro com o passado, de encontro com uma geração que acreditou nas mudanças e que agora convive com guerras preventivas em nome da paz.
Afinal, terão ficado as invasões bárbaras enterradas num passado histórico ou continuarão elas a fazer parte do presente? O título que outrora me parecera um pouco obscuro, afigura-se agora muito claro. Denys Arcand realiza neste filme a empolgante releitura de erros passados à procura de ajustes presentes, como diz Rémy na sua viagem final “Sinto-me tão nu como no dia que nasci…Não consegui encontrar um sentido e é…o que devemos procurar” “Os jovens são os maiores mártires das morte…é paradoxal, mas é ao envelhecer que nos apegamos à vida”
Questionando em porções variadas o anti-americanismo, o holocausto indígena, a eutanásia, a globalização, a discriminação das drogas e, principalmente, a permanência dos valores, o filme de Arcand, com roteiro sólido, diálogos ricos e com um humor sem preconceitos, fala não só da morte, como é sobretudo um hino ao amor, à amizade, à relação entre pais e filhos, à sociedade, ao passado e ao futuro, em súmula, à vida.
Aconselho vivamente a todos a visualização deste filme que ganhou inúmeros prémios, inclusive o Óscar de melhor filme estrangeiro em 2004 e os prémios de melhor actriz e melhor guião no festival de Cannes.
Por: Cláudia Fonseca