O reduzido número de vagas para médicos especialistas atribuídas à Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda leva a Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos a alertar que «não haveria melhor maneira de prejudicar um hospital, de fazer tudo para encerrar, do que colocar esta carência em termos de médicos».
O aviso foi deixado por Carlos Cortes, presidente daquela entidade, que veio à Guarda na quarta-feira para reunir com o Conselho de Administração da ULS, que confirmou que apenas dez vagas – seis hospitalares e quatro para cuidados de saúde primários – foram atribuídas das 45 vagas solicitadas. «O Sousa Martins é dos hospitais mais prejudicados a nível nacional e, tendo em conta a escassez de médicos, foi notoriamente o mais prejudicado», disse o responsável aos jornalistas no final do encontro, acrescentando que «o que o Ministério da Saúde está a fazer é precisamente tentar fechar serviços essenciais deste hospital». Para o dirigente, a tutela foi «irresponsável» ao «não apostar nestes hospitais que são muito importantes no apoio direto aos utentes, na medicina de proximidade».
Carlos Cortes destacou, nomeadamente, a carência sentida na Anestesiologia, mas também na Cardiologia e Oftalmologia. «Há serviços que mais dia, menos dia vão ter que fechar por falta de recursos humanos», alertou o presidente da Secção Regional da Ordem, para quem «o que se está a fazer ao Hospital Sousa Martins é uma machadada na coesão territorial». O responsável adiantou que a Ordem vai escrever à ministra Marta Temido para reverter «muito rapidamente» a situação e colocar na Guarda «os recursos humanos necessários» para o hospital poder manter a sua atividade assistencial. Contudo, disse ser «muito difícil» tal acontecer, tendo revelado que a ULS reportou haver «vários médicos» interessados em vir para a Guarda, alguns deles naturais da região, mas que a tutela, «pura e simplesmente, fez tábua rasa e não quis saber ao não abrir as respetivas vagas».
Também José Manuel Rodrigues, presidente do Conselho Sub-Regional da Guarda da Ordem dos Médicos, considerou «uma falta de respeito para a população da Guarda o que estão a fazer», tendo em conta a carência de clínicos. «Os médicos estão desiludidos com a situação, estavam a fazer um esforço quase sobre-humano para manter o “barco à tona” e quando veem que vão ter que continuar assim, nesta situação que já era difícil, sentem-se completamente abandonados», criticou o cirurgião do Sousa Martins, para quem «não há justificação para isto, é uma afronta e sentimo-nos todos muito indignados». Dois dias depois, João Barranca, presidente do CA da ULS, convocou os jornalistas para anunciar que a instituição tem «15 médicos sinalizados» para serem contratados «nas próximas semanas» para diversas áreas mais carenciadas.
«Dois são para Anestesiologia, seis para Medicina Geral e Familiar, um para Pediatria, um para Pneumologia, um para Radiologia, um para Reumatologia e dois para Medicina Interna», especificou o responsável, adiantando que os clínicos serão contratados através «do regime jurídico que permite essa possibilidade». João Barranca acrescentou que as contratações não vão resolver «o problema» da Anestesiologia, mas que o CA continuará a trabalhar com esse e outros serviços mais carenciados para conseguir atrair mais especialistas. O administrador revelou também que nos últimos oito anos a ULS fixou «uma média de seis médicos por ano para os seus quadros».
Chaves Monteiro queixa-se à ERS e quer mais esclarecimentos da ULS
O caso já chegou à pré-campanha autárquica, com o presidente do município e candidato do PSD a ameaçar queixar-se à Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Carlos Chaves Monteiro quer também solicitar uma audiência ao Presidente da República em conjunto com a CIM das Beiras e Serra da Estrela porque «é a saúde da população de toda a região da Guarda que está em perigo».
O autarca aguarda, entretanto, mais esclarecimentos da ULS após o anúncio da possível vinda de 15 novos médicos. «Continuo preocupado com a situação porque falar em 15 médicos possíveis não é falar na situação jurídica, legal, que permitirá essa contratação. Ou será que estamos a falar numa contratação ao abrigo excecional, especial, da lei geral do Orçamento de Estado, mas se é assim o Conselho de Administração já devia ter tratado disso», disse o edil no final da reunião quinzenal do executivo realizada na segunda-feira. «A administração da ULS tem que explicar a forma, como e quem são esses médicos. Até lá continuaremos a sofrer da circunstância do Governo ter discriminado esta região», criticou.
Chaves Monteiro quer saber se estes médicos «se ofereceram e qual o vínculo contratual e em que condições serão contratados. São as mesmas deste aviso que saiu a 1 de julho? Ou é para tapar o sol com a peneira?». Outra dúvida é se «há 15 médicos hoje, porque não os havia há 15 dias? Só agora descobrimos que havia carência, então esta resposta devia ter sido dada antes para o Governo cumprir o seu papel, que não está a cumprir», lamenta o autarca. «Preocupado» está também Luís Couto, candidato independente apoiado pela PS. «O Conselho de Administração fez o pedido normal da colação de médicos, o problema foi a transmissão de informação entre a Administração Regional da Saúde (ARS) do Centro e o Governo», considerou, adiantando ter já pedida uma audiência ao secretário de Estado da Saúde.
«Vamos apresentar duas soluções, a primeira é reverter o despacho, onde o Governo assume o erro e repara o mesmo ou é dada autonomia à ULS para poder contratar os médicos necessários para o bom funcionamento dos serviços. Na impossibilidade técnica ou legal de reparar o erro, a outra solução passa pelo Ministério das Finanças autorizar a abertura de vagas localmente», propôs Luís Couto, que espera rapidez na resolução do problema. «Não queremos saber qual das soluções será aplicada. Queremos é que haja um reforço necessário nalgumas valências que estão abaixo do que é previsível estarem», justificou o independente.
Na passada quarta-feira, o secretário de Estado da Saúde disse na Assembleia da República que a ULS da Guarda tem vindo a ser reforçada desde 2015 com «um considerável número de recursos humanos» – 57 médicos, 21 especialistas, 172 enfermeiros e 244 assistentes operacionais. Em resposta às perguntas dos deputados Santinho Pacheco (PS) e Carlos Peixoto (PSD) sobre o reduzido número de vagas atribuído à ULS, António Lacerda Sales acrescentou que «existe o compromisso do Conselho de Administração de continuar a apresentar propostas de profissionais de diversas especialidades para contratação em contratos individuais de trabalho, sem termo, nomeadamente nas especialidades mais deficitárias, como Anestesiologia, Medicina Geral e Familiar, Oncologia, Ortopedia, Pediatria, Pneumologia, Radiologia e Reumatologia».