Sociedade

Saudade esculpida ao pormenor

Escrito por Sofia Craveiro

Telmo Guerra faz pinturas e gravuras de baixo relevo. Emigrante na Suíça, o artista autodidata natural do Tortosendo esculpe com detalhe rostos famosos e símbolos portugueses. A viver há 12 anos no estrangeiro, sublinha que as saudades de casa foram determinantes na valorização da cultura do seu país de origem.

«Desde 2012 que vivo na Suíça, mas nunca me senti tão português como hoje».

A afirmação de Telmo Guerra, artista natural do Tortosendo, na Covilhã, explica de forma clara a componente simbólica presente em grande parte das suas peças. A saudade que sente do seu país natal foi determinante para «se encontrar» e reconhecer a importância das suas origens, razão pela qual muitos dos seus trabalhos são dedicados a personalidades portuguesas.

Telmo Guerra faz pintura e gravura de baixo-relevo em diversos tipos de materiais. Esta última técnica, baseada numa «forma escultórica utilizada na decoração de vários elementos arquitetónicos», consiste num «relevo cujas formas não ultrapassam os limites da visão frontal, o que torna possível a sua reprodução com um molde rígido. A terceira dimensão é simulada de uma forma semelhante ao que acontece num desenho», explica o artista beirão de 45 anos. Cerâmica e madeira são os suportes preferidos para esculpir, com recurso a uma broca, retratos de figuras consagradas da cultura portuguesa, ícones internacionais ou mesmo membros da família. «Faço sobretudo gravura com retratos, pois considero que um retrato tem mais capacidade de nos “desassossegar”», afirma Telmo Guerra, que frequentemente conjuga os rostos com «elementos da cultura portuguesa, sobretudo a Cruz de Portugal, Cruz da Ordem de Cristo ou os motivos da azulejaria portuguesa porque são elementos que fazem e farão parte da nossa história». Esta história passa também por apontamentos de literatura, incluídos em grande parte das gravuras e que pretendem valorizar a importância da criação e exaltar o que é feito em português.

Uma das obras que executou na fachada de um edifício, na Suiça

O interesse por esta atividade – que pratica à margem da sua profissão, de educador social – surgiu de forma natural, pelo gosto em criar algo de raiz. Começou a pintar aos 14 anos, mas foi na gravura que encontrou a verdadeira paixão. «Sempre quis ser um artista como Picasso… Hoje sei que jamais o conseguirei, mas compreendi que “sabemos muito mais do que julgamos, podemos muito mais do que imaginamos”», declara citando José Saramago, um dos rostos imortalizados numa gravura exposta na Embaixada portuguesa na Suíça.

«A obra mais gratificante é sempre a última»

Apesar de viver num país estrangeiro, o artista admite que a “interioridade” foi um fator que pesou negativamente na divulgação do seu trabalho. «No meio artístico é bastante difícil conseguir visibilidade, sobretudo para quem passou toda a vida no Tortosendo», recorda. «Felizmente, hoje o interior começa a ter mais visibilidade pelas suas qualidades e talvez as coisas mudem no futuro, para as próximas gerações de artistas», espera Telmo Guerra.

Ainda que sinta uma grande gratificação cada vez que é procurado por estranhos para executar uma peça, o artista garante que «não há satisfação maior» do que a proporcionada pela família. «O que mais me dá prazer são os comentários da minha família, sobretudo da minha filha e da minha esposa. São, sem dúvida, as maiores admiradoras do meu trabalho», declara.

Já nas suas peças, repletas de pormenor, «a maior preocupação é fazer sempre o melhor possível», o que exige dedicação e espaço para a minúcia. «A obra mais gratificante é sempre a última», considera Telmo Guerra, embora haja outra, exposta na sua vila natal, que tem em especial consideração. Trata-se de um retrato colorido da Mona Lisa, elaborado junto a uma das principais vias do Tortosendo. «Essa dediquei-a à minha mãe», revela. Atualmente, Telmo Guerra tem peças expostas de forma permanente numa galeria que se dedica à venda de arte urbana na Suíça. «Tenho também expostas algumas obras que foram criadas em espaços públicos, no Tortosendo e na Suíça e outra na Covilhã», acrescenta.

Grande parte do seu trabalho está registado no blogue www.telmoguerraarte.blogspot.com e na página de facebook com o seu nome. «Se dermos sempre o nosso melhor, colocando tudo o que somos mesmo nas pequenas coisas que fazemos talvez um dia sejamos reconhecidos pelo nosso verdadeiro valor», sintetiza o artista, que espera um dia regressar a Portugal.

Sobre o autor

Sofia Craveiro

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