Sociedade

Renda de nó, a herança de Alverca da Beira sem herdeiros

Escrito por Jornal O Interior

Ana Frias é a única habitante da aldeia do concelho de Pinhel que ainda confeciona peças com a renda tradicional da localidade

Ana Maria Frias, de 60 anos, é a única residente de Alverca da Beira, no concelho de Pinhel, que faz renda de nó, uma arte tradicional desta localidade. Após o fecho da fábrica de calçado Rhode na sede do concelho, onde trabalhou durante 16 anos, esta alverquense viu-se no desemprego e foi através de um curso de formação profissional que se dedicou a esta renda exclusiva da sua terra natal.
A renda de nó diferencia-se das restantes pelo processo de produção. «Começamos por fazer uma espécie de “rede piscatória”, aquilo a que chamamos de malha, que se coloca bem esticada num quadro e começa-se o nó. Depois é ter paciência e esperar pelo resultado final», adianta a rendeira. Esta arte terá surgido em Alverca no século XIX e «diz-se que até o enxoval da Rainha D. Amélia foi feito pelas gentes de Alverca da Beira», refere Ana Maria Frias. No entanto, apesar de ser uma renda que orgulha os locais, esta é uma das tradições que está a desaparecer com o passar do tempo e a falta de quem a faça. «Quando eu aprendi, aprenderam muitas jovens, mas depois foram muito poucas as que quiseram continuar a fazer. Dá muito trabalho e demora muito tempo», afirma, justificando a falta de mãos para darem continuidade a esta herança.

A artesã acrescenta que é a única a fazer renda de nó para vender, pois as poucas mulheres que deram seguimento ao curso apenas faziam para si próprias. «Mesmo a senhora que me ensinou já me pede que lhe faça porque, com o avançar da idade, há capacidades que se vão perdendo», justifica. Outro argumento é que a renda é «uma coisa que não dá sustento a uma família. Não é a vender três ou quatro conjuntos de panos por ano que uma pessoa se sustenta», sublinha. E depois o produto final é pouco valorizado pelas gentes de fora, que acham excessivo o preço que lhes é pedido por uma peça. «As pessoas acham a renda bonita, mas não têm bem a noção do tempo e da linha que é investida nos panos confecionados. Então quando peço 200 euros por um conjunto de três panos é o que é…. Mas as pessoas de Alverca da Beira sabem o valor e dão-lhe importância. Ainda no ano passado fiz uma toalha para o altar da igreja e foram 1.200 euros», revela Ana Maria Frias.
Mesmo assim, somando o tempo, trabalho e dedicação que a renda exige, esta arte «não dá assim tanto lucro», afirma, exemplificando com o resultado das suas participações em feiras. «As pessoas não compram e as rendas acabam por se danificar, pelo que não compensa», refere a rendeira, que tem «a porta aberta» para receber quem esteja realmente interessada em encomendar renda de nó. A quantidade de trabalho empregue na preparação das rendas é equivalente à paixão que Ana Maria Frias sente ao fazê-lo e em manter viva a tradição da sua terra. «Enquanto eu puder e para não acabar a renda de vez continuarei a fazê-la», declara orgulhosamente. Quanto a incentivo para que mais pessoas possam aprender e dar continuidade a esta tradição, a alverquense defende que o município de Pinhel deveria voltar a fazer cursos «porque há pessoas que querem aprender», mas falta o estímulo.
Já sobre o futuro da renda de nó a artesã admite, emocionada, que «não há» e que já começou a perder a esperança na continuidade desta tradição: «Se fizessem agora um curso com quatro ou cinco pessoas, que depois até ficassem a trabalhar nisso e consequentemente houvesse forma de escoar as rendas, era capaz de se manter mais uns tempos. Mas assim não, vai desaparecer», augura quem teima em persistir e dedicar-se a um legado de Alverca da Beira em vias de extinção.

 

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