P – A Coficab voltou a ser a maior empresa do distrito da Guarda, como caracteriza o crescimento e a confirmação dessa liderança na região, mas também o aumento da faturação?
R – Em 2019/2020, a Coficab Portugal lançou dois projetos muito importantes para acompanhar a evolução tecnológica da indústria automóvel. Um virado para a eletromobilidade, que foi alocado à fábrica de Vale de Estrela, onde produzimos cabos especiais para veículos eléctricos, e o outro alocado à nossa nova fábrica na PLIE, ligado à conectividade do automóvel com o mundo exterior. Conseguimos posicionar a empresa na linha da frente destas duas tecnologias e negócios que tínhamos ganho há dois ou três anos e que entraram na fase de volume série do seu ciclo de vida, o que nos permitiu colher os frutos do trabalho desenvolvido num período complicado como foram os “anos Covid”.
P – O que foi determinante para este crescimento da Coficab?
R – O segredo do sucesso da Coficab Portugal é quase sempre o mesmo – Inovação. Nós entrámos nos mercados acima referenciados oferecendo aos clientes soluções inovadoras e diferentes do oferecido pelos outros “players” do nosso ramo. São produtos com melhor performance técnica, mais baratos e com a preocupação de terem a pegada de CO2 o mais reduzida possível. Associado a este espírito de inovação, que tento incutir permanentemente na empresa, está depois uma equipa fantástica que consegue implementar as ideias e frequentemente melhorá-las.
P – Quantos trabalhadores emprega a empresa nas duas fábricas que tem na Guarda, em Vale de Estrela e na plataforma logística (PLIE)?
R – Em Vale de Estrela temos 580 colaboradores e na PLIE temos 300. Além destes que estão exclusivamente alocados às operações em Portugal, temos ainda 120 pessoas que trabalham a nível “corporate” para o Grupo Coficab, onde me incluo. No total, temos uns 1.000 colaboradores na Guarda.
P – Qual o projeto de futuro da empresa na Guarda? Ainda poderá vir a crescer mais? Atualmente, tem duas unidades industriais e um centro de investigação e I&D, há mais alguma unidade em perspetiva?
R – Realisticamente, não. A Coficab em Portugal é uma das operações maiores que temos no grupo e está localizada longe dos mercados-alvo, tendo que competir com empresas que estão milhares de quilómetros mais próximas dos clientes do que nós. A dimensão que temos atualmente em Portugal é quase “um milagre” e mantê-la é já um desafio enorme que só será ganho com uma aposta constante na inovação, ou, melhor dito, com a rapidez na inovação. Temos um pequeno projeto em curso, associado a um produto novo que queremos colocar no mercado em 2025 e que irá permitir criar mais cerca de 30 postos de trabalho na Guarda. Penso que será o último projeto relevante, a nível de criação de emprego que teremos, em Portugal.
P – A localização da Coficab na Guarda é uma desvantagem competitiva num mercado global?
R – Para o mercado em que estamos inseridos, sim é uma desvantagem enorme. Os nossos clientes diretos há muito que deslocalizaram a produção para países de mão-de-obra mais barata e a Coficab Portugal é a última fábrica de cabos automóveis com alguma relevância situada na Europa Ocidental. Todos os nossos concorrentes que estavam situados em Espanha, França, Alemanha, Itália… já encerraram a produção há muitos anos e mantêm atualmente nesses países apenas algumas dezenas de pessoas a desempenhar funções administrativas.
P – Como caracteriza a Coficab enquanto empresa de sucesso na Guarda? O que foi essencial para este crescimento?
R – Repetindo-me: inovação permanente e a dedicação total de uma equipa fantástica.
P – Hoje, um pouco por todo o lado, ouvimos falar de falta de mão de obra. A contratação poderá vir a ser um problema para a Coficab na Guarda?
R – Esse é outro fator que condiciona muito o crescimento da empresa na Guarda. Temos bastante dificuldade em contratar e manter mão de obra, especializada ou não. O nosso processo obriga a que trabalhemos em regime contínuo, pois a paragem e arranque dos equipamentos é muito morosa e dispendiosa. Este regime de trabalho é exigente e leva a que bastantes pessoas escolham outra via. Associado ao nosso caso particular, existe depois a desertificação/ despovoamento do interior que incide principalmente na população jovem, ou seja, nas pessoas em idade ativa. A Coficab Portugal tem hoje uma dimensão demasiado grande – a nível de número de empregados – relativamente ao que a Guarda pode suportar de modo consistente.
P – Qual é o futuro da Coficab na Guarda?
R – Nós vamos continuar a lutar e dar o nosso melhor para manter a empresa na Guarda com a dimensão que tem hoje. Isso passa por mudar um pouco a estratégia que até agora tem sido seguida com sucesso. Vamos ter que sair da nossa área de conforto, que é a indústria automóvel, onde somos líderes incontestados, e entrar em novas áreas de negócio onde ainda temos muito que aprender. Vamos ter que diversificar a nossa área de negócio para outras que exijam o que nós temos de melhor – a tecnologia e a capacidade inventiva. Os nossos projetos de futuro para a Guarda passam por apostar em nichos de mercado como as energias renováveis, a robótica, as indústrias de equipamentos especiais…
P – Enquanto gestor, empresário e guardense, como vê a Guarda e o futuro desta região?
R – Eu não sou uma pessoa pessimista e odeio os “profetas da desgraça” que falam muito dos outros, mas não fazem nada eles mesmos. Mas tenho que ser realista na minha análise a essa sua questão… Infelizmente, não vejo o futuro da nossa região com boas perspetivas, principalmente devido ao despovoamento galopante que já referi. Apesar de muitas promessas em períodos eleitorais, Governo após Governo, não existem políticas reais para inverter este rumo, que vai transformar uma capital de distrito numa vila daqui a poucos anos. Não existe nada, repito nada, que leve um jovem a optar pela Guarda (ou por outras cidades do interior) como local para viver. Factores diferenciadores que poderiam ter influência nessa opção, tais como o IRS zero para jovens que viessem para o interior, disponibilidade de habitação digna a preços acessíveis, cuidados de saúde minimamente aceitáveis,… Nada disso existe, nada disso faz parte de programas de Governo, de um modo diferenciador. Não vimos a prometida realocação de serviços públicos, que trariam consigo pessoas para estas regiões. A localização da UEPS da GNR nas antigas instalações da Escola de São Miguel é um exemplo do que deve ser o papel do Estado neste tema. Vamos ter esperança e aguardar que outras iniciativas como esta estejam a ser seriamente estudadas, pois penso que atingimos um ponto sem retorno e sem a intervenção do Estado vai ser muito difícil parar a sangria populacional das regiões interiores do nosso país. Existe também alguma apatia no que toca à divulgação das vantagens que há em viver nestas regiões. Nem tudo é mau. Vamos para o emprego em 15 minutos e isso significa que todos os dias temos uma hora a mais disponível para nós e para a nossa família. Temos um ar despoluído, o que previne muitas doenças. Temos um custo de vida uns 20 por cento abaixo do das grandes cidades, o que permite ter um nível de vida melhor com o mesmo nível de rendimentos. Os municípios do interior deveriam lançar uma campanha conjunta nos principais órgãos de comunicação social a publicitar o que temos de bom para oferecer a quem quiser vir viver para perto de nós. Devem ter políticas e estratégias diferenciadoras que levem os jovens a pensar seriamente nestas regiões como opção de vida, orientando a sua oferta para o que eles procuram. Neste momento a habitação é um factor diferenciador, em que o poder local pode e deve apostar.