Sociedade

O programa de discos pedidos que é a única companhia de muitos idosos

Escrito por Carina Fernandes

O “Linha da Amizade”, da Rádio Elmo, é apenas um exemplo da importância e do impacto que as rádios regionais têm na vida dos ouvintes, sobretudo em tempos de pandemia

O Dia Mundial da Rádio celebrou-se no passado 13 de fevereiro, mas para muita gente a rádio é a única voz que ouvem ao longo de muitos dias. O INTERIOR foi perceber a importância da rádio e dos programas radiofónicos na vida de muitos ouvintes, essencialmente dos mais idosos, numa altura em que o país está novamente confinado.

O “Linha da Amizade” é um programa de discos pedidos transmitido diariamente há mais de 20 anos, entre as 19 e as 21 horas na Rádio Elmo, em Pinhel. Durante duas horas os telemóveis da emissora não param. São muitos os ouvintes que tentam a sua sorte para escolher uma música e fazer a sua dedicatória, mas nem sempre acontece. «É pena não durar mais tempo, que assim dava para participar mais vezes», manifesta Emília Santos. A antiga comerciante natural de Pinhel já ouve a rádio local há 30 anos, «o meu filho mais velho já foi funcionário da rádio e desde aí que ouço», justifica, mas só há cerca de um ano começou a ligar para o programa de discos pedidos. «Comecei a gostar mais das músicas que passam e por isso passei a ligar», adianta a pinhelense de 69 anos.

Já Manuel Campino e a companheira Conceição Correia, atualmente a morarem no concelho de Almeida, mas originários de São Brás de Alportel (Algarve), começaram a ligar por mero acaso. «Estava a passar as rádios no carro e calhou a sintonizar no 99.1 FM. Como no Algarve já ligava para um programa idêntico decidi ligar para o “Linha da Amizade”», recorda o ouvinte de 69 anos. Por sua vez, Conceição Correia, antiga assistente operacional numa escola, começou a participar nos discos pedidos por influência do companheiro e continuou porque gosta da dinâmica: «Só tenho coisas boas a dizer», acrescenta. Manuel Ferreira, ouvinte de Vila Nova de Foz Côa com 69 anos, é talvez o mais antigo participante do programa. A O INTERIOR revela que continua a ligar porque «gosto das pessoas que por lá têm trabalhado», mas também não esconde o desagrado de certas músicas que passam. «Houve uma altura que ouvia todos os dias, mas depois deixei de o fazer porque não gosto do tipo de música», justifica Manuel Ferreira.

Preciosa Monteiro é uma das mais recentes participantes. «Comecei a ligar há dois meses, porque andava pela net e descobri o programa», revela a habitante de Ervas Tenras, no concelho de Pinhel. A ouvinte de 56 anos confessa a O INTERIOR que também o faz para dar «um miminho» ao marido: «Ele passa o dia a trabalhar e assim, ao fim do dia, dedico-lhe uma música», afirma. Já Albano Morgado, mais conhecido por “Sr. Morgado” pelos ouvintes da Elmo, começou a ligar em 2016. «Lembro-me do ano, porque foi quando tive o acidente e fiquei com mais tempo livre», adianta o pinhelense. Albano Morgado valoriza o trabalho das locutoras, principalmente durante a pandemia, em que as pessoas estão obrigadas a permanecer em casa e o programa acaba por se tornar num «grande passatempo e num bom divertimento», elogia o ouvinte de 67 anos.

Mais gente a ligar durante o confinamento

Para muitos, o programa é realmente um refúgio contra solidão que, infelizmente, se manifesta na população mais idosa, que é também a audiência mais predominante da rádio pinhelense. Na opinião de Albano Morgado, os mais jovens não ligam porque «não têm tempo. Eles têm outras vidas, mas nós temos tempo livre a mais». «Muitas vezes é a única companhia e a melhor companhia que têm», considera Catarina Pinheiro, que começou na Rádio Elmo há cerca de 15 anos a fazer apenas o “Linha da Amizade” e está atualmente como animadora radiofónica ao longo do dia. Atualmente o programa é feito ao final do dia por duas colaboradoras de forma alternada, Bruna Silva e Vanessa Silva. «Nós, para os ouvintes, somos como família. É para nós que ligam quando têm algum problema, quando estão tristes, para desabafar… E não é que não tenham família, mas acabam por se sentir mais à vontade a falar connosco», refere Catarina Pinheiro.

E em tempo de pandemia e de confinamento esse sentimento de união e familiaridade tornou-se mais evidente. «Para mim a rádio é um escape para este isolamento», confessa Manuel Campino. «Notei que houve mais gente a ligar para participar porque, como o nosso público é maioritariamente mais idoso e por serem considerados de risco, acabam mesmo por se manter em casa e ligam», acrescenta a animadora radiofónica. Muitos são os motivos que levam as pessoas a ligar para o programa: «Muitos ligam com saudades da família e sabem que para nós podem ligar porque estamos ali todo o dia, enquanto que os filhos e netos estão a trabalhar e a estudar e não têm a mesma disponibilidade de os atender», lamenta.

Para além do carinho e da cumplicidade criada entre ouvintes e locutora, os discos pedidos «também já criaram uma família», acredita Catarina Pinheiro. Porque a própria dinâmica do programa dá a possibilidade de pessoas que não se conhecem criarem uma certa empatia através de dedicatórias recíprocas.

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Carina Fernandes

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