Sociedade

«Não serei tutor, nem sombra de ninguém»

Escrito por Luís Martins

Acabaram as especulações. Álvaro Amaro é candidato ao Parlamento Europeu e vai em quinto, um lugar elegível, na lista do PSD liderada por Paulo Rangel, mas ainda não deixa a presidência da Câmara da Guarda. O autarca vai suspender o mandato em meados de abril até tomar posse como eurodeputado, altura em que renunciará ao cargo.

As justificações para esta saída anunciada foram dadas em conferência de imprensa na passada quinta-feira. Na véspera, Rui Rio tinha colocado um ponto final nas movimentações ao revelar a lista social-democrata às europeias, que mereceu a aprovação de 91 por cento dos conselheiros nacionais do partido. «Orgulho-me do que fiz e do que impulsionei na Guarda. E continuarei, sempre, a juntar o meu saber a este concelho, que, neste tempo de novos desafios, levo no coração e onde conservarei para a vida», começou por dizer numa declaração escrita – coisa rara em Álvaro Amaro. O presidente prosseguiu afirmando que vai embora, mas estará «sempre presente» porque a «definição estratégica e o percurso a percorrer para o desenvolvimento da Guarda estão definidos, sufragados e em pleno cumprimento». Dos «novos protagonistas» da maioria PSD na Câmara espera que sejam «elementos continuadores» dessa estratégia, mas também «agentes de impulsos criadores de dinâmicas que consolidem o que fomos fazendo» desde 2013.
A concluir, Álvaro Amaro considerou que a lição política desta saída é que «se pode, sem sombra de dúvida, servir a Guarda em Bruxelas, cada vez mais transformada num centro estratégico de decisão sobre a vida de todos nós». Aos jornalistas, o agora candidato às europeias acrescentou que parte de «consciência tranquila» porque confia na equipa que o acompanha desde 2013, «reforçada» em 2017 pela vereadora Lucília Monteiro e brevemente por Cecília Amaro, atual adjunta do presidente da Câmara. «Irei suspender o mandato até à tomada de posse como eurodeputado após apresentar as contas de 2018» da autarquia na Assembleia Municipal de abril, que deverá ocorrer em meados desse mês. «É ponto de honra», afirmou, reiterando que estará «sempre presente» para «ajudar a defender os interesses da Guarda», mas sem constituir «alguma sombra» ao seu sucessor, Carlos Chaves Monteiro. Também não será «tutor de ninguém»: «A partir de aqui, a responsabilidade é de todos e de cada um», avisou.
«Saio com o conforto pessoal e político de deixar uma equipa coesa, forte e muito bem preparada, em termos de gestão e de relacionamento com a sociedade da Guarda. Dirigi uma equipa que tem construído resultados e tenho a certeza que o que decidimos e projetámos será prosseguido», sublinhou o edil, não receando a implosão da maioria social-democrata após a sua saída. «Se não confiasse no cimento da equipa ponderaria não ter dado este passo. Mas todos têm que ser cimento, aglutinadores, não tenho a mais pequena dúvida», acrescentou Álvaro Amaro. O também presidente dos Autarcas Sociais Democratas reconheceu que sempre levou os mandatos até ao fim, mas que desta vez houve «uma circunstância nacional» a atravessar-se no caminho. «Somos o que somos e a nossa circunstância», filosofou, não sem antes reconhecer que conseguir para a Guarda a capitalidade da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela é a sua «marca» nestes seis anos de mandato.

«O mais importante foi devolver a autoestima aos guardenses»

Outra «grande obra» foi «equilibrar as contas» da Câmara, «que não tinha dinheiro, estava em pré-falência, quando chegámos em 2013». A construção da sede da Comissão Vitivinícola Regional da Beira Interior, o projeto dos Passadiços do Mondego, a instalação de empresas na PLIE e o lançamento da candidatura a Capital Europeia da Cultura são outros destaques do seu mandato. «Tão ou mais importante que tudo isso é ter contribuído para devolver a autoestima aos guardenses. Hoje, a Câmara da Guarda não bloqueia, incentiva, não reage, age», sintetizou. Espera por isso ser convidado para a reabertura do Hotel Turismo e disse-se «aborrecido» com o atraso da requalificação do Largo da Misericórdia, mas desconhecia que os trabalhos na Torre dos Ferreiros ainda não arrancaram quatro meses depois de terem sido consignados. Sobre o que gostaria de ter feito e não conseguiu, Álvaro Amaro elencou a piscina fluvial na barragem do Caldeirão, a requalificação da antiga piscina municipal e a reabilitação do Bairro da Fraternidade. «Era uma das prioridades, mas não consegui resolver esse problema que envergonha a Guarda. Este é um exemplo de lentidão da administração pública», disse, considerando que, pelo menos, lançou «as bases para resolver o caso». Para Álvaro Amaro, que em Estrasburgo irá trabalhar na área das políticas agrícolas e do desenvolvimento regional, a Guarda é «um diamante que nunca estará totalmente polido, no mínimo está a brilhar muito mais».

Reações à saída de Álvaro Amaro

PSD «sereno» com sucessão na Câmara

Álvaro Amaro vai chegar a «um patamar onde nenhum cidadão do distrito da Guarda alguma vez logrou chegar no espectro político», considera Tiago Gonçalves.
Para o líder da concelhia da Guarda do PSD, a inclusão do presidente da Câmara em lugar elegível na lista do partido às europeias é «a prova provada de que Álvaro Amaro é hoje uma personalidade política de relevo no panorama nacional assumindo-se como um verdadeiro “primus inter pares” dos autarcas portugueses». O dirigente, que foi diretor de campanha nas autárquicas de 2017, acrescenta que o PSD encara, com normalidade e serenidade», o processo de sucessão que se segue. A comissão política guardense tem «total confiança» nos demais eleitos para a Câmara, pois vão «manter certamente o rumo e o ritmo de execução de obra e do programa eleitoral apresentado aos guardenses», refere Tiago Gonçalves.

Distrital aprova voto de congratulação

A distrital do PSD aprovou um voto de congratulação pela integração de Álvaro Amaro na lista às europeias em lugar elegível.
«Homem de causas e de rasgos, este nosso companheiro, que também já liderou o PSD distrital por duas vezes, é um pensador, um decisor e um executor. Deixou sempre uma profunda marca por onde passou, a ponto de mesmo os seus críticos nunca terem conseguido ficar indiferentes ao seu estilo e à sua notável capacidade de intervenção», elogia Carlos Peixoto, em comunicado. O líder da distrital garante que, «quem o conhece sabe que se recusará a ser apenas mais um entre centenas. Fará a nível Europeu, o que sempre fez em Portugal e no distrito da Guarda. Atuará, intervirá e elevará a sua voz e a sua força beirã em prol de todos nós». A distrital diz-se «orgulhosa» da governação autárquica na sede do distrito nos últimos anos.

Álvaro Amaro «usou a Guarda como um palco e um trampolim», segundo o PS

O PS diz que Álvaro Amaro «abandona a Guarda, trocando o difícil trabalho da promoção da riqueza e do emprego pela ambição política e vaidade pessoal que representa ser deputado europeu».
A opinião é de Agostinho Gonçalves, presidente da concelhia socialista e deputado municipal, que recorda, em comunicado, que o social-democrata «deve á cidade sobretudo, confiança. Uma confiança que pediu reforçada neste segundo mandato e que lhe foi dada». Diz por isso que Álvaro Amaro iniciou o novo mandato «com o pensamento noutros voos da política, que agora se confirmam». O socialista conclui que o presidente «usou a Guarda como um palco e um trampolim, de que ele próprio é o grande beneficiado», constatando que trouxe «festa farta, tendas e obras de cosmética urbana», um modelo de governação que está «esgotado» num concelho que «tarda em descolar nas estatísticas que contam: da riqueza, do emprego, do turismo, dos negócios e da inovação».

PCP pede mudança de políticas

A eventual da saída de Álvaro Amaro da presidência da Câmara da Guarda «não garante a necessária mudança» de opções políticas no município.
Para a concelhia local do PCP, «mais do que mudança de caras é necessária uma mudança de política», pois a Guarda tem «sofrido com a política de direita ao nível nacional e ao nível municipal, que tem reflexos na progressiva desresponsabilização do Estado Central, mas também na progressiva privatização de serviços municipais que afetam a qualidade de acesso aos serviços e afetam a qualidade do emprego e as condições de trabalho dos trabalhadores da autarquia». Os comunistas consideram que Álvaro Amaro tem «personificado estas opções do PSD, quer enquanto governante, quer enquanto autarca, bem presentes na recusa de avançar no respeito pelos direitos dos trabalhadores da autarquia e no recente acordo PS/PSD de transferência de competências para as autarquias, que colocará em causa a coesão da prestação de funções sociais do Estado, agravará desigualdades entre autarquias locais e intensificará processos de privatização como já acontece em algumas autarquias».

Álvaro Amaro vai «lapidar outro “diamante”, o de Bruxelas», ironiza BE

O Bloco de Esquerda não ficou «surpreendido, nem admirado», com a escolha de Álvaro Amaro para a lista do PSD às europeias.
«Desde a sua primeira eleição, em 2013, para a presidência da Câmara que sempre afirmámos – e aqui fica provado – que a Guarda não estava no seu coração e que na primeira oportunidade a abandonaria, enganando os guardenses que nele votaram, iludidos que era um presidente que não desistia nunca da Guarda», adianta Marco Loureiro. Para o deputado municipal, «percebe-se agora que a vontade de Álvaro Amaro era a de lapidar um outro “diamante”, não na Guarda, mas lá para os lados de Bruxelas!» Perante as mudanças que se avizinham, o BE reitera que vai continuar na Assembleia Municipal «a bater-se por uma Guarda mais competitiva, atrativa e transparente, sempre numa perspetiva de melhorar as condições dos que cá vivem e dos que querem vir para cá viver».

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Luís Martins

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