A esta distância temporal há algumas memórias esbatidas sobre o dia 25 de abril de 1974. Contudo, e neste breve testemunho pedido para O INTERIOR, posso dizer que eu costumava ouvir rádio durante a noite e devido a esse hábito escutei, se bem me lembro, uma das emissoras de cobertura nacional; apercebi-me, assim, que algo estava a ocorrer, embora não tenha ficado com uma ideia precisa e o alcance do movimento militar.
Cerca das 7h30 saí de casa, com o gravador de cassetes que utilizava no dia a dia – um aparelho Philips, bem pesado, por sinal – e vim para junto da Madrilena, conhecido café da Guarda, onde encontrei poucas pessoas (até porque era cedo), que nada sabiam sobre os acontecimentos em curso na capital e no país.
Uma das pessoas que estava no local, nessa altura, era um agente da PIDE, também em total ignorância das ocorrências, como me apercebi no breve cumprimento circunstancial, nessa manhã.
Passado algum tempo, e já mais perto das 8h30, veio um grupo de pessoas que eram associadas “aos comunistas”, como se dizia naquela época, e gerou-se ali uma troca de palavras, azedas, com o referido agente da polícia política, desconhecedor da situação desencadeada nessa madrugada.
A reação desse grupo aconteceu já em frente ao antigo Café Mondego e pouco depois o mesmo grupo insultou o Padre Inácio que vindo Paço Episcopal se dirigia para a sua residência, por cima da então Papelaria Mondego. Ele ainda se virou, à entrada da casa, mas optou por entrar, e não retorquir às provocações, porque começaram a aparecer mais pessoas.
Entretanto apareceu um senhor amigo, comerciante nesta cidade, que me disse ir a Espanha fazer compras e que não demorava; acabei por ir com ele. Na fronteira apercebi-me que estava lá uma força militar, para impedir, ao que me foi dito pelo oficial, “a fuga dos PIDES para Espanha”.
Pouco tempo estivemos lá e quando regressei à Guarda, vi o Dr. João Gomes que se dirigia para o Regimento de Infantaria 12; fiz-lhe sinal de que queria falar com ele, mas disse-me que só mais tarde. Na verdade, passada uma hora e pouco, eu estava junto à loja comercial de que, nessa altura, era proprietário, e notei que o Dr. João Gomes ia a passar de novo. Foi então que me disse: “olhe o que eu lhe posso dizer, com muita alegria, é que falei com o Capitão Valente e com o meu amigo Almeida Santos, que me deram informações sobre o início da revolução. É o que lhe posso dizer neste momento”.
Recordo que estive ainda na Praça Velha porque, ao que me tinham dito havia lá “uma desordem”. E de facto houve ali alguma exaltação de ânimos, que observei à distância, entre pessoas com posturas ideológicas antagónicas, tendo havido mais tarde um pequeno comício, protagonizado por indivíduos claramente da oposição ao regime que tinha caído. Julgo, se a memória não me falha, que ouvi alguns tiros, mas não foram disparados nem pela PSP nem pela GNR pois essas forças não tinham ninguém na rua.
Encontrei ainda o Dr. Andrade Pereira, que era o Governador Civil da Guarda, e tinha ido ao R12; não me adiantou grande coisa e apenas me disse “está tudo calmo, Aragonez”.
No período da tarde, não sei precisar as horas, quando fui para o Rádio Altitude, encontrei à porta um militar, armado; quando lhe disse que queria entrar ele chamou o Alferes Pardalejo, o qual se encontrava no interior e apareceu à janela por cima da entrada.
O alferes deu ordem ao soldado para me deixar entrar. Já dentro da Rádio procurei saber mais pormenores do que se estava a passar, mas ele não me adiantou muita coisa a não ser que estavam ali com a missão de proteger a rádio.
Aliás, isso mesmo confirmei através de um telefonema que fiz para o Capitão Camilo, o qual me aconselhou a seguir as orientações que estavam a ser dadas pelos militares e me esclareceu um pouco sobre as movimentações havidas.
Durante cinco dias os militares estiveram na Rádio, embora o alferes Pardalejo só tenha estado nos dois primeiros, mas havia uma pessoa que todos os dias lá ia dar ordens ou colher informações. Compreendi que essas pessoas tinham a incumbência de impedir que a rádio fosse utilizada por pessoas afetas ao antigo regime. Lembro-me que, nesses dias nem o Dr. Martins de Queirós, que era o diretor da Rádio Altitude, nem o Sr. Carvalhinho, o Administrador, apareceram.
As relações com os militares foram excelentes e alguns dias depois o Capitão Valente deu-nos uma entrevista, em exclusivo à Rádio Altitude. Penso que essa gravação esteja ainda nos arquivos da rádio, pois é um documento importante sobre o 25 de abril na Guarda.
* Antigo jornalista da Rádio Altitude